A menos de um mês da data prevista para a volta às aulas presenciais em Santa Catarina, a segurança de estudantes, funcionários e familiares gera debate. Quais são as condições e estratégias ideais que devem ser adotadas para o retorno bem sucedido?
A expectativa da Secretaria de Estado da Educação é que as unidades escolares abram as portas a partir de 13 de outubro, uma vez que a atual suspensão segue até 12 de outubro.
O retorno, contudo, depende de dados favoráveis da pandemia da Covid-19 em Santa Catarina. A decisão de reabrir as escolas e a confirmação da data cabe à Secretaria de Estado da Saúde.
Protocolos detalhados
A Secretaria de Estado da Educação apresentou, no dia 9 de setembro, o plano de retomada das atividades presenciais, cujo objetivo é preparar as instituições de ensino para o retorno seguro às escolas. Isso inclui as redes estadual, municipais e privada.
Até esta sexta-feira (25), o órgão vai consolidar os protocolos sanitários, pedagógicos e o cronograma referente à reabertura das escolas. Entre os pontos que serão detalhados estão a organização e quantidade de horas de permanência dos alunos na sala de aula, e a escala de retorno dos estudantes da rede estadual.
Nas próximas semanas, serão divulgados os protocolos relacionados aos transportes, à alimentação e aos recursos humanos.
A Secretaria ressalta que os estudantes do terceiro ano do Ensino Médio com dificuldade de aprendizagem serão os primeiros a regressar às atividades presenciais. As aulas serão em formato de reforço escolar.
Os conselhos de classe, responsáveis pela seleção dos alunos, foram concluídos na última sexta-feira (18). Com esses dados, a Secretaria espera contabilizar o total de estudantes que voltarão às escolas nas redes públicas (estadual e municipais) e privadas até a próxima sexta.
A Secretaria de Educação informou também que já foram adquiridos equipamentos para adequar as escolas estaduais, como lixeiras e dispositivos de suporte para álcool em gel.
Estrutura adequada
Para o professor de Saúde Pública da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Fabrício Augusto Menegon, a volta às aulas presenciais é um tema sensível e está acima de condições epidemiológicas favoráveis.
Ainda que os dados da epidemia em Santa Catarina mostrem a redução da taxa de contágio e de novos casos, essa tendência só será confirmada em um prazo de 14 a 21 dias.
O professor se posiciona contra o retorno das atividades presenciais ainda em 2020. Segundo ele, o governo deveria aguardar um cenário mais favorável e aproveitar o tempo para unir esforços e reorganizar as escolas, a fim de que elas voltem com a estrutura adequada para atender os estudantes.
Nesse sentido, Menegon chama a atenção para as reais condições sanitárias das escolas no Estado. “Serão elas suficientes para garantir a permanência das pessoas no ambiente escolar com segurança?”, questiona.Ele explica que não se trata somente do espaço físico da escola, mas também das pessoas que irão organizar e auxiliar na aplicação do plano de contingência proposto.
“Dever de casa”
De acordo com a médica epidemiologista brasileira Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, nos Estados Unidos, os governantes precisam fazer o “dever de casa” para que as escolas voltem com segurança.
Nesse sentido, a condição mais importante para a reabertura é a baixa taxa de transmissão da Covid-19. O ideal é que a taxa seja de cinco novos casos para cada 100 mil pessoas e que a porcentagem de testes RT-PCR positivos seja de 3%.
Quanto mais altas essas taxas, maior o risco de aumentar ainda mais a transmissão da doença com a reabertura das escolas.
Além das condições epidemiológicas que apontem a baixa transmissão da doença, a médica cita como importante:
- O estímulo ao uso correto e consistente das máscaras
- Manter o máximo possível de distanciamento social
- Higiene das mãos
- Etiqueta respiratória
- Limpeza e desinfecção de superfícies
- Capacidade de rastreamento de contato
- Como estratégias adicionais, o ideal seria:
Prezar pela ventilação, com atividades ao ar livre
- Utilizar barreiras físicas e atentar para o tamanho das turmas, com rodízios e horários alternativos para alunos e funcionários
- Fechar áreas comuns como refeitórios
- Disponibilizar sabonetes, álcool em gel e toalhas de papel para as mãos
- Refeições pré-embaladas
“Essas estratégias são essenciais, mas não terão grande impacto se a transmissão na região de reabertura estiver alta. Nos Estados Unidos, mesmo com todas as condições, escolas que reabriram, fecharam rapidamente porque surtos começaram a ocorrer, com alunos e funcionários testando positivo para Covid-19.”, disse Denise.
Conforme a médica, a permanência das escolas fechadas traz consequências, mas os efeitos da retomada das aulas presenciais sem as condições necessárias podem ser ainda mais devastadores, com mortes e sequelas de funcionários, familiares e estudantes.
Crianças e o novo coronavírus
Crianças possuem alta carga viral do novo coronavírus e podem ser mais contagiosas do que adultos, inclusive aqueles internados em UTI (unidades de terapia intensiva), aponta estudo da Escola Médica Universidade de Harvard (EUA).
De acordo com a pesquisa, o potencial de disseminação do vírus entre os mais jovens tem sido subestimado desde o início da pandemia. O estudo, publicado na revista Journal of Pediatrics, apontou o quão infecciosas podem ser as crianças, mesmo aquelas sem sintomas.
“Ao contrário do que acreditávamos, com base nos dados epidemiológicos, as crianças não são poupadas desta pandemia”, disse Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisa de Biologia e Imunologia do Hospital Geral de Massachusetts e um dos autores do novo estudo.
Os pesquisadores sinalizam o risco de as crianças retornarem às salas. Eles questionam se a reabertura de escolas, mesmo com protocolos sanitários rigorosos, vale o risco para alunos, famílias e educadores. “Quanto mais entendemos, mais isso aponta que ninguém é poupado nesta pandemia”, pontua Fasano.
Segundo o professor de saúde pública da UFSC Fabrício Augusto Menegon, o problema não está na criança infectada, mas sim na formação do tecido social brasileiro. Isso porque milhares de pequenas moradias são compartilhadas entre crianças e outros familiares, inclusive pertencentes aos grupos de risco.
“Retomar as aulas presenciais é expor a criança a um ambiente coletivo onde existe maior chance de ser infectada. Essa criança volta para casa, não manifesta sintomas, não se protege, e acaba transmitindo o vírus para as pessoas de seu convívio, como pais e avós”, diz o professor.
Reaberturas bem sucedidas
O jornal norte-americano The Wall Street Journal noticiou no dia 17 de agosto que diversas escolas pelos Estados Unidos voltaram a fechar poucos dias depois da reabertura, por causa de novos surtos do coronavírus.
Escolas nos estados de Indiana, Louisiana, Oklahoma, Tennessee e Georgia fecharam as portas após estudantes e funcionários testarem positivo para Covid-19. O portal Daily Beast informou que ao menos quatro professores morreram da doença nos Estados Unidos após a retomada das aulas presenciais.
Novos surtos da doença também levaram ao fechamento de 22 escolas na França, no início de setembro, dias após a reabertura.
Por outro lado, também houve casos bem sucedidos de retomada das aulas presenciais. O professor Fabrício Menegon cita os exemplos da Alemanha, Coréia do Sul e Nova Zelândia.
“A Coréia do Sul conseguiu a testagem em massa da população. Com isso, controlou pequenos surtos, isolou casos positivos e neutralizou a disseminação da doença. A Alemanha e a Nova Zelândia monitoraram de forma eficiente o surto, impondo estratégias corretas para que a população fizesse a sua parte”, explicou.
A Dinamarca reabriu as escolas de educação infantil garantindo a segurança das crianças e sem apresentar piora nas taxas de contágio.
Quando as escolas dinamarquesas reabriram, havia apenas 185 novos casos por dia no país, embora apenas os pacientes com sintomas médios a graves estivessem sendo testados.
Confira algumas medidas adotadas na Dinamarca:
- Contenção do surto, adotando o lockdown em todo o país durante um mês;
- Os alunos mais novos, do 1ª ao 5ª ano, foram autorizados a voltar primeiro;
- As aulas eram limitadas a grupos de 10-12 alunos e um professor ao longo do dia. Os pais não eram permitidos nas escolas, exceto em circunstâncias especiais;
- Os tempos de entrada foram escalonados, com o uso de portas diferentes, quando possível. A mistura de grupos de alunos – em playgrounds, por exemplo – não era permitida;
- Sempre que possível, as aulas eram ministradas ao ar livre. Os parques públicos foram reservados entre as 8h e as 15h30 para as aulas. Hotéis, bibliotecas, museus e centros de conferências foram colocados à disposição das escolas;
- Os assentos/mesas foram separados por pelo menos 2 metros e, após um período, foi reduzido para 1 metro;
- Máscaras nunca foram obrigatórias para crianças ou professores. No entanto, o uso de coberturas faciais foi recomendado para alunos que se sentissem mal e para os que usassem transporte público;
Os alunos inicialmente tinham que lavar as mãos a cada 1,5 horas, inclusive ao chegar à escola, após cada intervalo, antes de ir para casa, antes e depois de comer e depois de usar o banheiro. Depois de um tempo, essa medida foi flexibilizada.
Com informações ND Online