A morte de um policial militar no primeiro dia de setembro, mês marcado pelas ações de prevenção ao suicídio, acendeu um alerta: como os policiais militares lidam com os transtornos psicológicos e com a pressão de estar, a todo momento, na linha de frente? O PM de 32 anos tirou a própria vida dentro do 8º Batalhão de Polícia Militar.
Atualmente, Santa Catarina possui 9.991 policiais militares na ativa e 183 estão em atendimento psicológico contínuo. E, além destes, de acordo com os registros da Polícia Militar, outros 963 policiais já foram atendidos pelo setor de psicologia. De acordo com os dados da PM, em 2018, 8 policiais foram reformados por conta de transtornos mentais. Em 2019, o número baixou para 6 e, neste ano, até o momento, foram quatro PMs.
De acordo com o major Diego Remor Moreira Francisco, chefe do setor de Psicologia pela Diretoria de Saúde e Promoção Social da PMSC, são quatro as classificações de problemas psicológicos mais frequentes entre os policiais militares catarinenses.
Os transtornos mais comuns são os relacionados ao estresse, como os transtornos ansiosos, obsessivo-compulsivo e transtornos de adaptação. Além deles, os transtornos de humor, os mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa e o transtorno de personalidade e do comportamento adulto completam a lista dos principais problemas enfrentados pelos policiais catarinenses.
O tratamento psicológico fornecido pelo Estado tem sido melhorado, afirma o major. Entre as medidas adotadas pela Polícia Militar para garantir o amparo psicológico estão: a abordagem de pelo menos um tema de saúde mental nos cursos de aperfeiçoamento, o incentivo aos colegas e comandantes para que reportem à Diretoria de Saúde e Promoção Social casos nos quais percebam alteração comportamental, avaliações psicológicas, questionários aplicados em algumas unidades a fim de identificar possíveis sintomas e ações no setembro amarelo.
“Com relação à saúde mental, temos trabalhado o melhoramento de alguns procedimentos em geral. No ano passado consolidamos um protocolo de classificação de risco e afastamentos compulsórios diante de sintomas. São alguns cuidados que estamos tendo”, conta.
O chefe do setor de psicologia da DSPS afirma, ainda, que entre 2013 e 2014 a corporação passou a atuar com mais energia na prevenção e no encaminhamento de policiais com algum tipo de transtorno psicológico.
Atualmente, 15 psicólogos atuam distribuídos nas 12 Regiões Policiais Militares. Os PMs podem ser encaminhados pelos comandantes e chefes, pelos médicos peritos ou pela equipe de saúde – que é formada por assistentes sociais, dentistas, capelães e educadores físicos – das RPMs.
“Os cuidados à saúde mental são importantes para o bem-estar do policial, tanto no seu contexto familiar, quanto em seu contexto de trabalho. Quando o policial militar está em sofrimento psicológico, isso repercute para as pessoas que estão à sua volta, bem como este desequilíbrio mental reflete em todo o seu corpo ocasionando ao longo do tempo o adoecimento “físico” do policial”, enfatiza.
O major ressalta, ainda, o quanto a atividade policial os deixa constantemente em estado de alerta, o que ao longo do tempo gera consequências físicas e, também, o desequilíbrio emocional. Apesar desse “risco externo”, Remor diz que a cultura interna de “perfeição” da Polícia Militar afeta diretamente a saúde mental dos policiais.
“Temos uma cultura, internamente, uma cultura militar de sempre fazer as atividades com perfeição, com muita dedicação, comprometimento. Somos policiais 24 horas por dia e isso gera o estresse de estar sempre sendo observado. A depressão vem desse contexto do estresse, do desgaste e, isso, com o tempo, reduz a capacidade de lidar com o outro”, fala.
Além das implicações emocionais pessoais aos policiais militares, o major admite que as consequências podem ser exteriorizadas. “O que percebemos é que ao longo do tempo o policial começa a ter dificuldade de lidar com outra pessoa e isso é uma situação muito grave porque afeta justamente a habilidade de mediar o conflito. O policial acaba perdendo a paciência e ultrapassa os níveis de atuação, chegando aos de maior força, gerando consequências graves. Policiais são vistos e cobrados todos os dias”, ressalta.
Além das implicações emocionais pessoais aos policiais militares, o major admite que as consequências podem ser exteriorizadas. “O que percebemos é que ao longo do tempo o policial começa a ter dificuldade de lidar com outra pessoa e isso é uma situação muito grave porque afeta justamente a habilidade de mediar o conflito. O policial acaba perdendo a paciência e ultrapassa os níveis de atuação, chegando aos de maior força, gerando consequências graves. Policiais são vistos e cobrados todos os dias”, ressalta.
“A quantidade de policiais com transtornos de todas as naturezas é enorme. Morrem mais policiais por suicídio do que em confronto e isso começa a trazer, ou deveria trazer, uma preocupação para o Estado todo. A própria corporação passa a ser um fator de adoecimento. Muito já se mudou, um tempo atrás, em uma realidade de 10 anos, não tínhamos nem junta médica psiquiátrica. Hoje há o acompanhamento. Dizer que o Estado e a corporação são inertes não é verdade, houve movimento no sentido de melhorar o cuidado e tratar a questão da saúde mental como saúde da própria tropa”, salienta.
A advogada destaca, ainda, que esse é um fator que “não escolhe graduação”. Assim como ressalta o major Remor, a advogada aponta como um fator determinante para o desenvolvimento de transtornos psicológicos a figura do militar construído dentro do mito do herói que não pode chorar, não pode demonstrar fraqueza e que é frio diante das mazelas sociais.
“Ele veste a farda, engole o choro e sai para a sociedade. A figura do herói está no cara que resiste e a situação do PM se agrava porque é uma realidade violenta e a construção da violência está no ambiente que você vive que, no caso do policial, é altamente violento”, analisa.
Para Lixa, é fundamental que a desconstrução desse mito do herói seja parte das ações de promoção da saúde mental. “A sociedade cobra um policial que seja exterminador, cobra que ele tenha carapuça, frieza, resiliência e resistência emocional que nenhum ser humano possui. São fatores que contribuem para o adoecimento da tropa”, aponta.
Além disso, a advogada reforça que é preciso incentivar os policiais a falar sobre o tema e romper a lógica do silêncio que, muitos adotam por medo do preconceito e por motivações mais práticas, como a perda de parte do salário em caso de afastamento.
Ela explica que o policial tem receio do afastamento porque isso acarreta em um desconto que representa cerca de 20% do salário, a Iresa (Indenização por Serviço Ativo). “Na prática, ele não reporta, procura um médico fora, dá um jeito de driblar sozinho sua angústia, sua dor, porque sabe que vai gerar desconto na folha de pagamento”, fala.
Embora admita que o Estado tem evoluído neste aspecto, a advogada da Aprasc diz que ainda não é o suficiente para a prevenção. “Nesse aspecto, o trabalho do Estado teve uma mudança significativa, no entanto ainda não é o suficiente para que a gente previna o problema. Pensar em segurança pública é diferente de pensar em políticas de segurança pública”, fala.
Assim como a PMSC, a Aprasc também realiza ações diversas durante o setembro amarelo, uma delas acontece nesta quarta-feira (9), às 14h30, no Facebook da Aprasc e na rádio web da Associação. A live promovida pela entidade tratará de temas sensíveis com a presença de psicólogas e policiais militares para debater o tema da saúde mental.
Com informações ND Online