Enquanto Facebook, Google e Twitter prestam contas ao Congresso americano sobre notícias falsas pagas por estrangeiros para influenciar as eleições de 2016 nos Estados Unidos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corre contra o tempo para atualizar as normas eleitorais brasileiras, que não têm regras claras sobre anúncios patrocinados por políticos, financiamento de candidatos por moedas digitais e uso de robôs para alavancar discussões em redes sociais
O volume de ataques envolvendo políticos que já confirmam pré-candidatura preocupa os ministros do TSE, que também acompanham os desdobramentos de escândalos envolvendo notícias falsas em eleições nos EUA e França – das quais o Brasil participou como observador.
A menos de um ano das próximas eleições presidenciais, o TSE se prepara para divulgar até dezembro um conjunto de novas regras de comportamento online para partidos e candidatos, segundo autoridades familiares com as negociações.
O maior desafio neste momento, pelo que a BBC Brasil apurou, é determinar critérios objetivos para a constatação de que uma notícia ou história seja falsa – ou “fake news” -, sem deixar brechas para reações negativas a supostas “censuras” de conteúdos pela Justiça eleitoral.
Os ministros não devem proibir definitivamente o uso de robôs em campanhas para divulgação de agenda e plataformas de governo, mas candidatos que usarem a ferramenta para ofender oponentes ou distorcer resultados de enquetes e pesquisas online deverão ser punidos.
Para identificar e monitorar a existência dos robôs – programas que enviam mensagens automaticamente através de perfis genéricos ou mesmo falsos – o TSE contará com ferramentas desenvolvidas pelo ministério da Defesa e da Associação Brasileira de Inteligência (Abin) no ano passado, durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro, para monitorar grupos ligados a atividades extremistas.
“Não queremos controlar conteúdo. Nosso trabalho é regular robôs e instrumentos que podem multiplicar informações falsas”, afirmou um porta-voz do Tribunal, que preferiu manter a identidade em sigilo.
“A regulamentação vai dar segurança jurídica para os candidatos, que saberão o que podem ou não podem fazer na internet.”
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, comentou sobre um grupo de trabalho criado para discutir as novas regras.
“Precisamos realmente acompanhar essa nova realidade, que teve repercussão em várias eleições”, afirmou.
Bitcoins
Além de definir que tipos de postagens – entre as circuladas com informações falsas – serão enquadradas como calúnia, injúria e difamação, o Tribunal quer atualizar regras sobre prestação de contas, incluindo o financiamento de campanhas por moedas digitais, como o bitcoin, cuja negociação é mais difícil de rastrear.
Em 2014, o FEC (comitê eleitoral do governo dos EUA) aprovou doações individuais em moedas criptografadas para campanhas, com limite de US$ 100 por turno. A medida ainda sofre resistência e é debatida em vários países, já que o uso de moedas digitais poderia estimular transações secretas, incluindo lavagem de dinheiro.
Na regra americana, que pode servir como referência para a nova legislação brasileira, todos os recursos doados por bitcoins devem ser convertidos em dólares e depositados nas contas oficiais de campanha junto a informações claras sobre os doadores.
No Brasil, a moeda virtual ganha popularidade há pelo menos três anos, mas ainda não tem regulação eleitoral.
Além das revelações sobre notícias falsas em eleições estrangeiras (como no ano passado, na França, quando o atual presidente, Emmanuel Macron, foi alvo de notícias falsas sobre investimentos sigilosos nas Bahamas), o debate no Tribunal Superior Eleitoral surge da reforma política aprovada no início de outubro, que permitiu de maneira genérica o “impulsionamento de postagens” por candidatos, sem definir detalhes.
Na avaliação do TSE, a nova lei aprovada pelo Congresso brasileiro pode abrir brechas para problemas como o enfrentado pelos Estados Unidos nas últimas eleições presidenciais – uma das mais polarizadas da história recente no país.
Sob pressão de congressistas democratas e republicanos, em uma série de três sabatinas realizadas na semana passada, executivos das principais plataformas digitais – Facebook, Google e Twitter – reconheceram que o estrago produzido por notícias falsas financiadas por russos em seus portais foi mais de 10 vezes maior do que o divulgado anteriormente.