Cúmplice ou vítima de um plano cruel elaborado pela companheira, do qual só foi saber depois? Esta, uma das perguntas feitas por quem acompanha o caso da grávida assassinada em Canelinha e que apavorou o Estado, está respondida para o Ministério Público de Santa Catarina: o marido é coautor. A denúncia contra o casal, feita na sexta-feira, 5, diz que os dois são responsáveis pela morte de Flávia Godinho Mafra, 25 anos. Na mesma noite a Vara Criminal de Tijucas aceitou o pedido.
Apesar da versão da homicida confessa e do marido dela, ambos presos, de que ele não sabia da intenção da companheira em praticar o crime, três promotores de justiça decidiram pelo envolvimento do homem.
O casal é denunciado por homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado (criança), ocultação de cadáver, parto suposto, subtração de incapaz, fraude processual. Somando tudo, as penas mínimas chegam a 36 anos.
O Diário Catarinense conversou com o promotor Alexandre Carrinho Muniz, designado pelo MP para trabalhar em conjunto com a promotora Mirela Dutra Alberton e Fred Anderson Vicente. Leia a entrevista:
Três promotores de justiça oferecerem denúncia contra o casal. O que leva o MPSC a acreditar na participação do marido, fato negado pela mulher e por ele para a polícia?
Estamos diante de um processo e isso demanda instrução. Mas com vista ao inquérito encaminhado pela polícia nós temos convicção de que o marido tinha ciência dos planos da mulher, logo, ele é coautor. Ele aderiu à conduta dela pela prática de feminicídio.
Então o MP entende que ele é cúmplice e não vítima de um crime planejado por ela?
Sim, ele não praticou os atos. Mas ele sabia da conduta dela, das circunstâncias, e concordou com isso. Logo, é coautor, mais cúmplice do que vítima.
O que fundamenta esta convicção do MP acerca do envolvimento do marido?
Ele diz para a polícia que sabia da gravidez dela entre outubro e novembro do ano passado. O fato dele ser casado com ela e não ter participado de um exame durante a gravidez, por exemplo, foge da conduta natural. O comum é o marido ver a barriga da mulher crescendo, indo com ela numa consulta, acompanhando a gravidez.
Existe uma linha de interpretação de que a homicida confessa tivesse algum distúrbio e que isso fizesse com que ela não tivesse consciência dos atos. Os senhores acham isso plausível?
Para nós do MP ela tinha plena consciência dos atos. Era uma pessoa com CNPJ, carteira de motorista, com título de eleitor. Significa que tinha uma vida normal como qualquer outra pessoa. O popularmente chamado de louco, por exemplo, pessoa que pratica um crime assim, vê no outro um monstro; e não uma pessoa normal. Neste caso de Canelinha não se aplica: a criminosa tinha tanta consciência do que fez que levou objetos da vítima para a casa e escondeu, como o telefone celular. É um sinal de que sabia ter feito errado.
Houve algum pedido da defesa nesse sentido?
Sim, nesta terça-feira foi solicitado pela defesa o pedido de instauração de incidente de sanidade mental da acusada. Argumentamos que a examinada não apresenta sinais clínicos de gravidez e/ou aborto recentes. O exame de cólo de útero é compatível com o relato de nunca ter tido parto. Não há como afirmar gravidez pregressa. Não se encontra em estado puerperal.
Há alguma prova de que ela tivesse engravidado em algum momento?
O MP foi informado que não existe nenhuma consulta da suposta grávida na Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, a defesa não comprovou que a acusada se enquadra nos conceitos aceitos pela medicina como de mulher que teve abortos recorrentes e sendo essa a causa de pedir da instauração do incidente de sanidade mental, ele já deve ser indeferido.
Chama a atenção a denúncia de prática de feminicídio contra o casal. Normalmente este tipo de crime está relacionado à violência doméstica. Qual o entendimento do MP para denunciar ambos por feminicídio?
De acordo com o Código Penal o feminicídio não se aplica apenas a pessoas conhecidas, próximas, como normalmente se vê na maioria dos casos. No nosso entendimento, o crime ocorreu por ser a vítima uma mulher, pois ela é capaz de gerar um filho, e esta foi a motivação do crime, um crime contra a condição de ser mulher.
Foi um crime de grande comoção. Quais os próximos passos?
O processo segue seu ritmo com oitiva de testemunhas e aprimoramento de provas e de laudos. Certamente as defesas serão separadas: tentarão provar a insanidade mental da mulher; e que o homem não sabia sobre o que ela pretendia fazer. Acreditamos na celeridade do processo, mas sobre quando a realização de júri dependerá também das demandas do Fórum de Justiça de Tijucas.
Com informações NSC Total