Enquanto os investigadores da Alemanha vasculham as evidências coletadas em batidas policiais contra suspeitos de planejar um golpe de extrema direita para derrubar o governo do país, as autoridades indicam que o número de pessoas envolvidas deve crescer.
O chefe do Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão), Holger Münch, informou nesta quinta-feira (8/12) que foram encontrados mais dois indivíduos ligados à conspiração, elevando o número total de suspeitos para 54. Um deles tem ligação com o Brasil.
Münch afirmou que outras pessoas foram “identificadas” e que a polícia está trabalhando para determinar a ligação delas com a rede. Pelo menos 25 pessoas foram presas nesta quarta-feira (7), em conexão com o complô.
Boa parte dos suspeitos eram apoiadores do movimento de extrema direita Reichsbürger (“Cidadãos do Império Alemão”, em tradução literal). Os membros do grupo rejeitam a Constituição alemã do pós-guerra e pedem a queda do governo.
“Não dá para supor que um grupo composto por um número de pessoas de dois ou talvez três dígitos tinha condição de realmente desafiar o sistema estatal alemão ou mesmo abalá-lo”, ponderou Münch.
“Mas temos aqui, sim, uma mistura perigosa de pessoas que seguem convicções irracionais, algumas com muito dinheiro e outras em posse de armas, e com um plano que querem realizar”, acrescentou Münch. “Isso o torna perigoso e é por isso que agora intervimos e colocamos um claro sinal de ‘pare’.”
Münch disse que isso envolve realizar prisões, buscas, ampliar ainda mais a rede dos investigadores e tentar obter uma imagem ainda mais clara do grupo e das capacidades da rede.
Os promotores disseram na quarta-feira que o “objetivo” dos conspiradores era derrubar o governo e que eles estavam dispostos a usar violência e até assassinatos para alcançá-lo; mas falaram pouco sobre até que ponto o golpe era viável ou o quão avançado o plano estava.
A operação de busca de quarta-feira teria alvejado 150 propriedades em 11 estados alemães. Armas foram encontradas em mais de 50 das propriedades revistadas, disse Münch na noite de quarta-feira. A rede está ligada ao movimento de extrema direita Reichsbürger, um grupo sem estruturas formais que pede a dissolução do Estado e do governo alemão.
Líder preso
O secretário do Interior do estado alemão da Turíngia, Georg Maier, disse à rádio Deutschlandfunk na quinta-feira (8) que mais prisões são “esperadas” depois que a polícia teve tempo de processar e analisar as evidências apreendidas durante as batidas, incluindo telefones celulares.
O estado do leste da Alemanha tem uma forte presença de grupos de extrema direita. Nele fica um pavilhão de caça de propriedade do suposto líder do Reichsbürger, o “príncipe” Heinrich 13º Reuss, e que agora é palco de uma investigação. Reuss, de 71 anos, que vem de uma família aristocrata, foi preso em sua casa em Frankfurt na quarta-feira.
Maier informou também que o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) forneceu um fórum para a retórica antigovernamental na Turíngia e em outros lugares. “A AfD tornou-se cada vez mais radical. O partido espalha essas fantasias de conspiração e fantasias de derrubar [o governo]”, disse Maier. A AfD já está sendo monitorada pelas autoridades na Turíngia por suspeitas de atividades “anticonstitucionais”.
Ligação com o Brasil
Outro líder da conspiração foi identificado como Rüdiger von P., um ex-comandante de paraquedistas de 69 anos.
Entre 1993 e 1996, Rüdiger von P., hoje com 69 anos, foi comandante do batalhão de paraquedistas 251, que posteriormente ajudou a formar o KSK. Ele teria sido expulso do exército devido à venda não autorizada de armas dos estoques do antigo exército da Alemanha Oriental.
Rüdiger costuma passar parte do seu tempo no Brasil, mas estava em Freiburgo, no sul da Alemanha, onde mora sua filha, quando foi preso. Há empresas registradas em seu nome em Santa Catarina e ele atuou como representante comercial de companhias de energia no Brasil.
Em 2019, numa página de um agitador de ultradireita alemão, alguém se identificando com o nome de Rüdiger von P., deixou uma mensagem pedindo a eliminação de “maçons” e afirmando “a verdade só estará acessível à humanidade após a mudança do sistema”. Finalizou afirmando “saudações do Brasil”.
Outra suspeita detida pela polícia foi identificada pelos promotores como Birgit M.-W., uma juíza em Berlim e ex-parlamentar do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). O partido está cada vez mais sob escrutínio dos serviços de segurança alemães devido a seus laços com extremistas de direita.
Preocupação com forças de segurança envolvidas
Entre os suspeitos na investigação do Ministério Público Federal estão um soldado do Comando de Forças Especiais (KSK) das Forças Armadas Alemãs, além de vários reservistas.
O governador do estado de Renânia do Norte-Vestfália, Hendrik Wüst, disse em entrevista à rádio Deutschlandfunk ser muito preocupante que pessoas com treinamento militar ou acesso a armas estejam envolvidas na suspeita rede terrorista.
No entanto, ele acrescentou que os ataques foram um sinal de que o Estado alemão é capaz de se defender e espera que mais ações sejam tomadas contra o movimento Reichsbürger.
O chefe do BKI, Holger Münch, acrescentou que mais verificações de antecedentes devem ser realizadas nos membros das forças de segurança. “Em tempos como estes, quando as forças de segurança são muito solicitadas, devemos poder contar com o fato de que todos estão apoiando a ordem democrática”, disse ele à emissora pública ARD.
O chefe dos serviços de inteligência doméstica da Alemanha, Thomas Haldenwang, também pediu o aumento das verificações de segurança de qualquer pessoa que trabalhe nas forças de segurança estaduais ou federais, acrescentando, no entanto, que a grande maioria da polícia e das forças de segurança não nutre sentimentos antigovernamentais.
Nos últimos anos, o número crescente de Reichsbürger tem alarmado as autoridades de segurança alemãs. Em seu relatório de junho de 2022, o serviço de inteligência doméstico estimou que cerca de 21 mil pessoas estão ligadas ao movimento.
Falando à ARD nesta quinta-feira, Haldenwang disse que desses 21 mil, cerca de 10% são avaliados como com tendência a cometer atos de violência. “Aqui, pela primeira vez, você tem a situação em que havia uma rede nacional com planos muito concretos. Havia planos para realmente implementar uma derrubada do governo”, disse.
Com informações Metrópoles