O juiz de direito Frederico Andrade Siegel, da comarca de Videira, julgou improcedente Ação Civil Pública formulada pelo Ministério Público de Santa Catarina e absolveu da acusação de improbidade administrativa, danos ao erário e atos atentatórios aos princípios da administração pública, o ex-vereador Lourenço Becker – que à época dos fatos era prefeito interino de Videira – , o ex-secretário de turismo e cultura, Clemir Schmitt, a ex-procuradora geral do município, Renata Christina Melillo, a ex-diretora de compras da prefeitura, Poliana Carla Haas e os componentes do grupo de teatro Temporá, de Caçador, Adilson Panatta e Victor Czerniak.
Os agentes públicos da prefeitura de Videira e os componentes do grupo de teatro Temporá foram alvos da denúncia pela execução do espetáculo teatral “A Paixão de Cristo”, ocorrido em Videira no ano de 2013 e respondiam ao processo desde fevereiro de 2014.
O Ministério Público de Santa Catarina, representado na época pela promotora Greicia Malheiros da Rosa Souza, acusou o grupo de servidores e os dois atores de colocarem em prática um plano para utilização de dinheiro público, única e exclusivamente para benefício particular, através da encenação do espetáculo, que teve um investimento de pouco mais de R$ 39 mil por parte da prefeitura.
Para tanto, disse o MP, houve o lançamento de uma licitação, na modalidade pregão, cuja sessão pública para recebimento e abertura das propostas foi designada com antecedência de apenas seis dias à apresentação artística a ser executada. Isso, na opinião da promotora, “tornou impraticável a participação de eventuais interessados naquela licitação, tornando-a deserta, de modo a criar intencionalmente situação capaz de possibilitar a contratação de empresa mediante dispensa de licitação”.
Para reforçar tal entendimento, o MP narrou que a peça estava sendo ensaiada há meses e, inclusive, foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação locais, com diretor e coreógrafa trabalhando desde o início de forma voluntária. “Não obstante isso, o objeto da licitação previu a contratação de tais profissionais, além dos figurinos utilizados na apresentação, os quais, em sua maioria, já seriam de propriedade do Município de Videira”.
A decisão da justiça
Na sentença, proferida no dia 17 de março mas publicada somente no dia de hoje, o juiz de direito, Frederico Andrade Siegel, afirma que, conforme depoimentos prestados durante o processo, para a encenação da cidade de Videira, havia um grupo voluntário que ensaiava desde o mês de fevereiro, composto basicamente por amadores e com poucas peças de figurino, mas que os atores principais, os cenários e a maior parte do figurino deveria ser complementado por empresa especializada. No caso, a que foi contratada.
Entende também o magistrado que a questão central do processo diz respeito à contratação da empresa, já que o próprio Ministério Público reconheceu, em suas alegações finais, não haver sido provada a utilização de bens do Município, de forma a ensejar a perda patrimonial deste, tampouco que tal patrimônio teria sido usado para privilegiar o interesse privado.
Com base em documentos apresentados pela defesa e pelo depoimento das testemunhas ouvidas no processo, o magistrado entendeu que a apresentação artística em questão não constitui em objeto singular, acima de tudo porque é realizada em um grande número de municípios, principalmente em datas próximas à comemoração da Páscoa. Afirma também que na situação corrente, uma série de fatores levou à impossibilidade de competição. “A proximidade do dia marcado para a realização do evento talvez tenha sido o fator preponderante, haja vista que a preparação do espetáculo constitui em um ato complexo, que envolve desde a contratação do elenco, ensaios, confecção de figurinos e cenários”.
Segundo entendimento do magistrado, o processo de contratação do Grupo Temporá não apresentou nenhuma irregularidade, pelo contrário. Na sentença ele descreve todas as etapas do procedimento administrativo para a abertura do processo licitatório e afirma que o que houve por parte dos agentes públicos foi na verdade um excesso de cautela. Do seu ponto de vista, pela peculiaridade do espetáculo, não haveria necessidade de adotar aquela modalidade de licitação.
“Nesse ponto entendo ter ocorrido um equívoco por parte do núcleo ligado à administração municipal, não por dolo ou má-fé, que em nenhum momento foi de fato provado no processo, mas pelo contrário, devido ao excesso de cautela na análise do procedimento a ser adotado. A peculiaridade das circunstâncias que permeavam a situação fática ora em exame inviabilizavam a realização do procedimento licitatório escolhido, sendo mais adequada a adoção da inexigibilidade, prevista no art. 25 da Lei 8.666/93: “É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: […]” (grifei)”.
A sentença afirma também que o ocorrido não pode ser encarado como sinônimo de improbidade, principalmente porque exige-se para esta a demonstração de conduta dolosa visando lesar o patrimônio público ou os princípios que regem o direito administrativo.
Sobre isso, o juiz pontua que “no caso vertente, houve mera adoção equivocada do procedimento licitatório a ser utilizado, o que passa longe de constituir em ato de improbidade administrativa. Da mesma forma, não vislumbro qualquer atuação dolosa ou de má-fé dos particulares que compõem o polo passivo da demanda”; e conclui afirmando que “ao longo da instrução processual, o autor não produziu nenhuma prova capaz de dar apoio a suas alegações e não logrou êxito em demonstrar que algum dos integrantes do núcleo de agentes públicos tenha obtido benefício de qualquer ordem com a contratação da empresa, tampouco que o preço pago pelo espetáculo estivesse fora daquele praticado habitualmente no mercado”. Desta decisão ainda cabe recurso por parte do MP.