A terça-feira (4) parecia um dia normal na escola infantil Pró-Infância Aquarela, em Saudades, no Oeste de Santa Catarina. Crianças, professoras e agentes educativas faziam suas atividades de rotina quando uma presença estranha foi percebida.
O jovem de 18 anos entrou na creche calado, com uma máscara preta, touca e uma mochila nas costas. Conforme relato de agentes educativas que estavam na escola, ele olhou pela porta de duas salas, uma delas não havia ninguém, e seguiu caminhando.
Elas não sabiam, mas o jovem estava prestes a cometer o ataque brutal que resultou na morte de cinco pessoas, entre elas três crianças com menos de dois anos.
As vítimas fatais foram Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses, Anna Bela Fernandes de Barros, 1 ano e 8 meses, Murilo Missing, 1 ano e 9 meses, e as agentes educativas Keli Adriane Anieceviski, de 30 anos, e Mirla Renner, de 20 anos.
O que ele queria?
Era horário de almoço e descanso das crianças quando o jovem adentrou a creche em silêncio. A agente educativa Keli Adriane Aniecevski saiu para ver o que ele queria. “Minhas colegas falaram que ela disse que ia ver o que ele queria ou quem estava procurando e saiu da sala dela”, conta a agente educativa Jussara Schleicher Lauxen que estava em outra sala de aula no momento.
Enquanto isso, o rapaz se aproximou da outra turma onde a agente educativa Mirla Amanda Renner Costa arrumava o almoço das crianças. “Foi quando a gente acha ele a atacou e em seguida atacou a Keli que se aproximou para ver o que ele queria. Foi tudo muito confuso e rápido, a gente perdeu a noção do tempo e de como tudo aconteceu”, explica Jussara.
Ao ver a Keli no chão aos gritos, as colegas acharam que ela estava tendo uma convulsão. Com intuito de ajudá-la abriram a porta para ver o que estava acontecendo. Foi quando foram surpreendidas pelo jovem golpeando Keli.
Proteção às crianças
“Ficamos em desespero. Seguramos a porta e começamos a trancar as janelas das nossas salas para proteger as crianças e gritamos por socorro”, relata Jussara.
O jovem também entrou na sala em que estavam as quatro crianças. A agente da turma havia ido ao banheiro, mas ao ver a cena do assassinato da colega correu para pedir ajuda. Na sala também estava uma estagiária que não foi atingida.
No local o jovem golpeou as quatro crianças, duas delas morreram ainda na creche, uma foi socorrida e morreu no hospital e um menino de 1 ano e 8 meses foi levado ao HRO (Hospital Regional do Oeste), em Chapecó, onde passou por cirurgia e foi transferido nesta quarta-feira (5) para o Hospital da Criança.
Momentos de terror
A agente educativa lembra que o jovem tentou abrir a porta da sala em que ela estava, não conseguiu e pelo vidro da porta viu ele tentar abrir a sala ao lado. “Minhas colegas falaram que ele foi tentar entrar em outra sala, quebrou o vidro e ficou atravessado com meio corpo dentro da sala, mas desistiu e seguiu para outra”.
Segundo ela, sem sucesso, o jovem correu para outras salas aos fundos da escola e começou a desferir golpes nas janelas. Enquanto estava na creche o autor também soltou bombinhas que pareciam tiros, o momento exato em que isso ocorreu foge a memória das agentes educativas. A lembrança são apenas dos barulhos e gritos de desespero.
Na sequência, vizinhos entraram na escola e cercaram o agressor. Ao perceber a presença das pessoas o jovem desferiu golpes contra si tentando tirar a própria vida, mas foi imobilizado. “Depois de se golpear ele dizia me matem, me matem”, recorda Jussara.
Ele ficou gravemente ferido e foi encaminhado ao hospital de Pinhalzinho e depois transferido para o HRO em Chapecó, onde passou por cirurgia. Até a manhã desta quinta-feira (6) ele estava sedado e em recuperação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), conforme boletim médico divulgado pelo hospital.
Tragédia poderia ter sido maior
A agente educativa cita que a tragédia poderia ter sido ainda pior. Mas, em decorrência da pandemia da Covid-19 a creche estava com menos alunos do que o normal. Além disso, a rapidez das educadoras em proteger as outras crianças na sala evitou outras vítimas.
“Quando fechamos a porta da nossa sala começamos a rezar para que ele não voltasse mais na nossa turma, porque não tinha mais o que fazer. Não sei quanto tempo levou tudo isso perdi a noção de tudo, mas foi tudo muito rápido”, lembra ela.
Ajuda de vizinhos
Ezequiel Vargas Pimentel tem uma oficina mecânica ao lado da escola. Ele trabalhava quando escutou barulhos e estouros seguidos de pedidos de socorro. “Ajuda, ajuda! Elas diziam”, relata o empresário.
Com alguns colegas foi aos fundos da creche para ver tentar enxergar o que estava acontecendo. Sem sucesso, deu a volta pela frente e encontrou professoras pedindo socorro e dizendo que um homem armado havia invadido a escola. Pimentel orientou ao funcionário que voltasse pegar algo para se defender e entrou na escola. O homem voltou na oficina e pegou uma bengala.
O empresário conta que uma professora que segurava a porta de uma das salas gritou informando que o agressor estaria dentro do banheiro. Pimentel entrou em uma sala e na porta estava uma das professoras caída próximo a uma mancha grande sangue.
“Entrei e vi quatro crianças espalhadas pela sala e bastante feridas. O jovem estava dentro da sala, mas eu não sabia que era ele o agressor. Era uma pessoa bem vestida, eu não imaginei. A gente assiste tanta coisa, pensei que seria um homem encapuzado e mais agressivo para tentar acuar as pessoas, mas não, ele estava normal. Na hora que o vi achei que ele era um agente educativo ou professor”, explica.
“Pode ter mais vítimas”
O empresário entrou na sala pegou duas das crianças pelos braços e saiu correndo. Segundo ele, o agressor não teve nenhuma reação e nem tentou o agredir. “Acho que ele ficou acuado. Quem sabe não pensou que alguém entraria na sala para ajudar, acho que imaginou que todos fugiriam dele”.
Na frente da escola entregou uma das crianças que estava menos ferida para a professora que mora em frente a escola. Com a outra criança, que estava com um grande ferimento no abdômen, saiu correndo e gritou para a esposa pegar o carro para leva-la ao hospital que fica a cerca de 500 metros da escola.
O empresário deixou a criança na maca com as enfermeiras, avisou que poderia ter mais vítimas e pediu ajuda com ambulâncias. Ele e a esposa, que ficou em estado de choque, voltaram para a escola onde o agressor já havia sido imobilizado.
Pimentel entrou novamente na sala e ajudou a agente educativa Mirla que apesar de gravemente ferida ainda estava respirando. Na sequência, os bombeiros chegaram e socorreram as vítimas que estavam no local.
O agressor, já detido, foi amarrado por uma corda. “Quando vi que era ele me deu uma sensação de fraqueza por perceber que era a pessoa que eu tinha visto dentro da sala e nem havia imaginado. Fiquei desolado, sem chão, sem saber o que estava acontecendo”, acrescenta o empresário.
Todo sujo de sangue, Pimentel voltou à empresa e ficou sentado cerca de duas horas tentando processar tudo que havia acontecido. Se aproximar da escola não está sendo fácil.
“Hoje já foi difícil a gente voltar. Não queria voltar trabalhar, mas o trabalho é meu ganho pão e tenho que prezar pelos meus clientes também. É uma sensação que não sei quanto tempo vai demorar a passar, parece que sempre tem alguém nos perseguindo, ou que vai acontecer de novo. Estou meio desnorteado, uma sensação de incapacidade”.
Primeiro socorro
O empresário foi o primeiro a prestar socorro às vítimas da chacina. Mas afirma que foi inspirado e protegido por Deus para entrar na escola. “Me sinto feliz por uma das crianças ter sobrevivido. Alguns comentaram que fui um herói, mas não me sinto assim. Fiz o que achei que podia fazer, o que meu instinto mandou. Infelizmente uma morreu no hospital e cinco vidas foram ceifadas, isso dói muito”.
Com informações ND+