O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, relatou à CPI da Covid nesta quinta-feira (27) pelo menos três tentativas de oferta da vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac, ao governo brasileiro antes de o contrato ter sido firmado, em janeiro deste ano.
De acordo com Covas, o primeiro contato do instituto com o Ministério da Saúde se deu em julho de 2020, com novas tentativas até janeiro. Em meio às negociações, o presidente Jair Bolsonaro fez críticas ao imunizante e chegou a afirmar que não iria comprar a “vacina chinesa”.
Covas relatou que, após declarações contrárias à vacina, houve prejuízos na busca por voluntários, dificuldade na aquisição de matéria-prima para o imunizante e ataques contra o instituto oriundos das redes sociais.
Segundo ele, se não houvesse o atraso, o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação (vídeo abaixo) – em 8 de dezembro, o Reino Unido aplicou a primeira dose do imunizante. A campanha brasileira teve início em 17 de janeiro, com a CoronaVac.
Confira o cronograma de propostas do Butantan, todas em 2020:
Julho: 60 milhões de doses até dezembro de 2020;
Agosto: reafirma a proposta anterior e pede ajuda financeira para estudos clínicos e para reforma de fábricas;
Outubro: 100 milhões de doses, sendo 45 milhões até dezembro de 2020, 15 milhões até o final de fevereiro e 40 milhões até maio deste ano.
Ao fim, uma versão parcial da oferta de outubro foi firmada em janeiro de 2021, com a previsão inicial de somente 46 milhões de doses e deixando aberta a possibilidade de aquisição do restante.
Em fevereiro, o governo contratou as outras 54 milhões de doses. Na sequência, houve ainda a solicitação de um adicional de 30 milhões de doses.
De acordo com o diretor, até outubro, todas as ofertas “não tiveram resposta positiva”.
Mas as negociações avançaram e, no dia 20 daquele mês, estava previsto o anúncio da aquisição da CoronaVac.
“Seria até uma comemoração capitaneada pelo então ministro da Saúde [Eduardo Pazuello] no anúncio dessa vacina”, lembrou Dimas Covas.
Na véspera do evento, porém, o presidente Jair Bolsonaro deu entrevistas e divulgou em suas redes sociais que havia mandado cancelar o contrato.
“Não abro mão da minha autoridade”, reforçou o presidente, na ocasião. Bolsonaro desdenhou da CoronaVac ao longo do ano passado, em meio à disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O então ministro Pazuello, na sequência, gravou vídeo ao lado de Bolsonaro no qual dizia: “É simples assim. Um manda e o outro obedece”.
Depois disso, contou Covas, “as tratativas não progrediram”, apesar das “insistências em contatos”. A fala do diretor contrariou depoimento de Pazuello, que, à CPI, afirmou que a posição do presidente “não interferiu em nada”.
‘Sabotagem’
A demora na vacinação da população brasileira e o efeito desse atraso no aumento de casos e mortes é uma das principais frentes de investigação da comissão de inquérito.
O depoimento do representante do Butantan se soma ao do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, que revelou seis ofertas do imunizante e uma série de tentativas de contato com o governo até a formalização da compra.
Ambos relataram que a demora afetou o cronograma de entregas do imunizante ao Brasil. Relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou um cálculo de vacinas negadas ainda em agosto de 2020.
“Em 18 de agosto de 2020, o Instituto Butantan apresentou sua segunda oferta de 60 milhões de doses. No mesmo dia, como declarou o senhor Carlos Murillo, a Pfizer também fez a segunda oferta, de 70 milhões de doses. Ou seja, em um só dia o governo brasileiro perdeu a oportunidade de comprar 130 milhões de doses de vacina, que seriam suficientes para dar pelo menos a primeira dose para mais da metade dos brasileiros”, disse Calheiros.
“A gente compreende agora que o desenvolvimento da CoronaVac foi sistematicamente sabotado pelo governo federal. Isso é fato, é provado. As ofertas chegaram e elas foram recusadas. Chegaram os pedidos de apoio financeiro e eles não foram atendidos, e foram atendidos para outros fornecedores por critérios que não são técnicos”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Ataques e ‘decepção’
No depoimento, Covas contou ainda que, em meio aos ataques à CoronaVac, o instituto passou a ter dificuldades com a entrada de voluntários na fase de estudo clínico.
“Nesse momento existia um ambiente conturbado, um combate muito exacerbado a essa vacina nas redes sociais. Inclusive tem um estudo recente da Universidade de São Paulo que mostra exatamente isso, qual foi o efeito desse ambiente, dessa discussão midiática em cima do desenvolvimento da vacina. Então, isso dificultou, inclusive, a velocidade de desenvolvimento do estudo clínico”, afirmou Dimas Covas.
O diretor ainda se disse “decepcionado” com o tratamento dispensado ao instituto.
“O Butantan faz vacinas e produtos da mais alta qualidade. Ele é reconhecido internacionalmente. Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública brasileira, a qualidade da saúde pública brasileira – e Butantan é um exemplo disso. Então, de fato, essa campanha que foi feita pelas mídias sociais, desqualificando a vacina, desqualificando o Butantan, sem dúvida nenhuma, trouxe prejuízos à imagem”, disse.
Ele reforçou, por outro lado, que após o início da vacinação, essa imagem do instituto “mudou muito”.
Reação chinesa
Dimas Covas também comentou sobre os ataques à China e os prejuízos gerados na obtenção da matéria-prima para a produção de vacina.
No depoimento, ele afirmou que o país asiático é o maior exportador de imunizantes para a Covid-19 do mundo e que já exportou mais de 300 milhões de doses para mais de cem países.
Covas disse que o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, relatou “inconformismo” no lado chinês com ataques contra o país feitos por autoridades brasileiras. Segundo o diretor, declarações anti-China prejudicam a obtenção da matéria-prima para vacinas contra a Covid.
Para exemplificar a relação entre a China e o Brasil, Covas fez uma analogia com a relação de uma vizinhança.
“A imagem que eu uso é a seguinte: nós temos cem vizinhos. Noventa e nove dos vizinhos são cordiais, nos tratam bem, vão à nossa casa sempre com grande prazer, nos convidam para ir à casa deles. E [há] um vizinho mal comportado, quer dizer, aquele que sempre tem uma observação a fazer. Aí, na festa de fim de ano, o senhor vai chamar aquele vizinho ou o senhor vai chamar os 99? Então, isso é senso comum, está certo?”, afirmou.
Segundo ele, não é preciso dizer que há problema de relacionamento.
“Isso é senso comum. Quer dizer, cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm grande orgulho da contribuição que a China dá ao mundo neste momento. Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês para serem resolvidas”, acrescentou.
Com informações G1