Na foto ilustrativa, Nega Tide, cidadã samba de Florianópolis e funcionário da Casa Civil no Governo Luiz Henrique. Falecida em em 2010.
As sessões passaram a ser semanais. Toda a segunda-feira, lá está Carlos Moisés, em Biguaçu, diante do pai de santo.
O centro também melhorou.
A sala foi pintada de branco, um ventilador (não confundir com respirador) foi colocado num canto e na parede as réplicas de Os Nubentes e de Noivos no Parque dividem espaço com Iemanjá, São Jorge, São Sebastião e Preto Velho, aumentando ainda mais o sincretismo do ambiente.
Moisés chegou na hora marcada, entregou um maço de notas de cem para o pai de santo e sentou-se para esperar a sessão.
– O senhor sabe que os guias não cobram nada, mas se a oferta é de bom coração vou aceitar e vou entregar para a caridade. – disse o pai de santo, colocando o dinheiro numa gaveta.
Levou também uma garrafa de cachaça da adega Scherer, lá de Antonio Carlos. Mais de 15 anos no carvalho. Uma preciosidade.
“Esse pessoal de Antonio Carlos é quase todo do MDB, vai que este agrado me ajude no que estou precisando”, pensou Moisés.
O negro estava com uma roupa toda azul, diferente do branco que sempre vestia. Sentou-se, concentrou, mudou a fisionomia, deu uma baforada no Monte Cristo que ganhou da última vez, olhou firme para o governador Moisés e começou a assoviar.
Depois de uns três minutos de assovio, perguntou já falando com a voz característica do Luiz Henrique:
– Gostou?
– Não sabia que o senhor também gostava de assoviar. – falou Moisés, surpreso.
Luiz Henrique, calmamente, explicou:
– Isso é o Lago dos Cisnes. Tchaikovsky compôs em 1877, especialmente para o balé Bolshoi, do Teatro Moscou.
Moisés respondeu confuso:
– Pensei que o balé Bolshoi era em Joinville. Inclusive já assinei a liberação de recursos pra lá.
Luiz Henrique não se irritou.
Percebeu que esse não era um bom assunto para conversar com o governador, mas antes de mudar o tema deu-lhe um conselho:
– O senhor precisa gostar mais de arte. Quadros, dança, museus, música… Não aqueles pagodes como vi o senhor tocando no dia do servidor público. Foi a Nega Tide quem me mostrou o vídeo e ainda me tirou uma onda, dizendo que isso sim era governador. O senhor também deve gostar de vinhos. Vinho também é arte. Um governador ser culto, é bonito. Se não for, pelo menos deve parecer.
Moisés ouviu tudo atentamente e desatou a falar:
– Doutor Luiz, não sei se é assim que o senhor gosta de ser chamado.
O pai de santo balançou a cabeça afirmativamente e Moisés continuou:
– Seus conselhos têm sido muito importantes para mim. Tem me ajudado muito, mas estou precisando de algo especial. Preciso que o senhor me ajude com o MDB. São nove votos para a base.
Luiz Henrique já esperava pelo pedido. Walmor de Lucca e Aldo Schneider o colocaram a par de tudo o que se passa na maior bancada da Alesc.
– Procure os deputados individualmente. Um por um. Conversa e explica que você precisa deles para governar o Estado. Depois faz um jantar na Agronômica, com todos, para fechar o apoio.
Moisés não pareceu convencido com a ideia.
– Com os deputados eu acho que não é tão difícil de acertar. O problema são outros líderes que querem me ver pelas costas. Inclusive, pensam no meu impeachment.
– Mas quem vota na Assembleia, os deputados ou os dirigentes? – perguntou Luiz Henrique – por isso converse individualmente e não precisa chegar oferecendo secretarias. Isso, se acontecer, vai ser de forma natural. Converse sozinho, sem nenhum secretário junto e só faz a foto no dia do jantar.
– Vou tentar – disse Moisés, sem muita confiança.
Quando ele ia articular mais uma frase, Luiz Henrique interrompeu:
– O senhor tem que endireitar o cargueiro desse Governo urgente. Se isso não acontecer, ninguém vai embarcar. Nem MDB e nem os demais. O senhor precisa ter agenda positiva.
O pai de santo deu mais uma baforada no charuto. O cheiro do Monte Cristo era bem melhor que o antigo, constatou Moisés, lembrando que um professor na faculdade lhe disse que esse era preferido do Che Guevara.
“Ainda bem que ninguém da ala bolsonarista do meu Governo sabe que eu sei essas coisas de comunista”, pensou em silêncio.
– Se entendeu com a vice? – perguntou Luiz Henrique.
– Parece que está mais calma. Mas essa possibilidade de impeachment acendeu o desejo dela pelo poder. Tenho que tirar isso da pauta com urgência e para isso preciso dos deputados. Tem ainda a turma que gosta do Bolsonaro, que me chama de traidor, e incentiva que ela tome o Governo.
– Essa questão do Bolsonaro, acho que você não precisa se preocupar muito. – sentenciou Luiz Henrique – Desse jeito ele não vai longe. Por muito menos caíram a Dilma e o Collor.
– O senhor tem alguma informação daquelas conversas com o Tancredo Neves que falou outro dia? – quis saber Moisés, curioso.
– Não. O Tancredo é um homem muito reservado. É mineiro, sabe como é. O Nelson Rodrigues disse que o mineiro só é solidário no câncer. Ele atribuiu a frase ao seu amigo Otto Lara Resende, na peça “Bonitinha, mas ordinária”.
Moisés ficou calado, sem entender nada do que ouvia.
Luiz Henrique percebeu e mudou de assunto:
– Deixa essa história para lá. É que às vezes gasto horas ouvindo o Nelson e o Otto.
O pai de santo tomou dois longos goles do copo de cachaça que estava cheio desde o começo da sessão. Deu uma boa baforada no cubano e voltou a falar. Luiz Henrique tinha agora a voz firme:
– Soube que no começo do ano você andou mandando um desses teus deputados neófitos correr o Estado prometendo recursos para o município em troca de filiações dos prefeitos ao PSL. Inclusive uns do MDB andaram assinando ficha. Isso não é nova política. O Ulysses já dizia que essa é a política velhaca.
Moisés ficou incomodado com a advertência e tratou de se justificar.
– Governador, isso foi coisa do Douglas Borba. Ele e o Fabio mandavam no partido e saíram prometendo dinheiro, mas não liberei nada até agora.
Luiz Henrique voltou a falar com voz firme:
– Uma coisa você precisa aprender: a população não aceita hipocrisia. Ao mesmo tempo em que você fazia esse discurso de nova política, de limpinho, de que não se misturava com os políticos tradicionais, em baixo do teu nariz a turma estava fazendo negócios suspeitos.
– Pois é… Mas…- Moisés tentou argumentar.
Luiz Henrique interrompeu e continuou:
– Em 2006, um tal de Aldinho meteu meu Governo em uma confusão. Foi preso com uma mala de dinheiro. Aquilo me custou a reeleição em primeiro turno. Estava ganha e por causa da foto da mala de dinheiro, acabou dando segundo turno. Mas quando deu o escândalo, demiti na hora e coloquei a polícia em cima. Você deveria ter feito isso lá quando deu o rolo do hospital de campanha. Não fez, agora está pagando a conta.
Moisés gostou de saber que no Governo de Luiz Henrique também aconteciam escândalos.
– Não tenho como agradecer os conselhos. Esses nossos encontros têm sido muito importantes – disse Moisés, expressando a satisfação de desfrutar dessa intimidade com o ex-governador.
– Está dando a minha hora. – disse Luiz Henrique – Hoje é dia de bate-papo dos governadores. Se não estou por lá, o Kleinubing toma conta da conversa e só fala de cinema.
– Mais uma vez, muito obrigado de coração. – falou Moisés.
– Se cuida governador. Usa máscara, álcool em gel e camisinha também. – disse Luiz Henrique, soltando uma gargalhada.
Moisés foi falar, Luiz Henrique interrompeu:
– A Nega Tide me mantém informada das fofocas da Casa Civil. – disse entre risadas.
O pai de santo tomou o último gole da cachaça, teve um acesso de tosse, maneou a cabeça e voltou a falar com sua voz normal de nortista.
Moisés se despediu e voltou para a Agronômica.
Por Frutuoso Oliveira