Apenas 16% de modelos novos e usados foram reparados desde 2013; falta informação aos donos, sobra descaso das montadoras, diz órgão
É um número que assusta: o Brasil tem mais de 2,5 milhões de automóveis afetados por airbags defeituosos fabricados pela empresa Takata. Destes, apenas 415 mil já passaram pelo recall, ou seja, tiveram o reparo realizado — só 16% do total. Com isso, restam pouco mais de 2 milhões de carros — novos e usados — que ainda rodam ou rodarão por aí com os chamados “airbags fatais” em seu interior.
É algo preocupante devido à natureza do problema. Uma falha no deflagrador do airbag, responsável por inflar a bolsa em caso de colisão, pode transformar o sistema de segurança em uma arma mortal: o mecanismo explode e projeta fragmentos metálicos na cabine, com risco de ferir gravemente e até matar os ocupantes.
Carros de Honda, Toyota e BMW iniciaram o ciclo de reparos de seus modelos afetados com os airbags da Takata. Depois vieram Nissan, Chevrolet, Fiat, Volkswagen, Renault, Audi, Mitsubishi.
Esses dados constam de levantamento obtido com a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça. O órgão federal é responsável, dentre outras atribuições, por acompanhar e fiscalizar todas as informações relacionadas a recalls no país.
No caso da Takata e seus airbags defeituosos, trata-se do maior recall em massa da história da indústria automotiva, com mais de 42 milhões de veículos afetados somente nos Estados Unidos e cerca de outros 7 milhões em outros mercados. Tirando os EUA, o Brasil responde por aproximadamente 35% dos chamados relacionados à Takata no planeta.
No mundo todo, o problema dos airbags mortais está relacionado a pelo menos dez mortes — fora os ferimentos em mais de cem pessoas. De toda forma, não há registro de vítimas aqui no Brasil até agora.
Descaso dos dois lados
Apesar do lado negativo dos números listados acima, já tivemos 43 recalls iniciados para resolver a questão no Brasil desde o primeiro semestre de 2013.
Segundo determina o Código de Defesa do Consumidor, todos os procedimentos são gratuitos, mas isso não amplia a taxa de sucesso. Motivos? Descaso e desinteresse.
A marca que lidera os recalls da Takata no Brasil é a também japonesa Honda, com pouco mais de 1,38 milhão de unidades. Só que apenas 216 mil unidades passaram pela revisão e/ou correção até agora, pouco mais de 15%.
No caso da Honda há, inclusive, chamamentos relacionados a moto: a luxuosa Gold Wing tem airbag, como carros de passeio, e teve 324 unidades convocados em outubro passado, além de outras 80 neste mês.
Há falha de informação por parte das fabricantes e um pouco de descaso com consumidor com a própria segurança, avaliam órgãos de defesa ao consumidor. Em outros casos, a própria demora no processo afasta o consumidor.
“O baixo comparecimento dos brasileiros aos recalls automotivos acontece por duas razões. Uma delas é a pouca importância dada à segurança pelos consumidores no país e a outra é por falta de conhecimento mesmo”, avalia Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, um dos principais órgãos de auxílio ao consumidor no país.
Para a especialista, o problema é grave por expor os consumidores ao risco de morte e de modo desnecessário. Por conta disso, as montadoras deveriam ser mais ativas na comunicação e reparo dos automóveis defeituosos.
“As montadoras precisam ser mais transparentes e proativas. Esperam pelas reclamações dos clientes acumularem, muitas vezes sabendo da existência do defeito de fabricação, para só então convocarem o recall. É muita demora e, no caso da Takata e em outros, os recalls são realizados no Brasil bem depois de outros países onde os mesmos automóveis defeituosos são vendidos”, alerta Dolci.
A Honda se defende dizendo agir seguindo “o princípio da transparência” na comunicação de recalls aos donos de carros e afirmando fazer ações integradas de divulgação pública (“anúncios pagos em televisão, jornais e rádios de todos os estados do Brasil… cartas aos proprietários… contato telefônico proativo, envio de SMS e envio de e-mail”), além de atuar junto a seguradoras e até operadoras de pedágio para encontrar modelos com problemas.
De toda forma, a fabricante reconhece que o tamanho do recall e a abrangência ampliada pela idade de alguns carros são complicadores. “As referidas convocações de reparo envolvem automóveis produzidos há até 12 anos, fato que impacta diretamente no acesso ao atual proprietário. É comum que, com o passar do tempo, os carros mudem de donos, que nem sempre retornam à concessionária para realizar as revisões e eventuais reparos”, respondeu a Honda.
Falha na comunicação
De acordo com o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), não existe uma legislação obrigando os proprietários a realizarem o recall. A portaria conjunta 69/2010, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e Denatran, prevê que as informações referentes às campanhas de recall não atendidas no prazo de um ano, a contar da data de sua comunicação, constem do CRLV (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo).
Na prática, porém, isso pouco adianta. Se o carro não passou por recall em até um ano após a convocação, é preciso indicar isso no documento (algo nem sempre feito, aliás). Mas a legislação não exige a comprovação de recall feito no momento de autorizar a vistoria ou a transferência do carro — a decisão de deixar essa informação visível no licenciamento anual vem sendo adiada seguidamente.
Mesmo assim, fabricantes e montadoras de veículos têm suas obrigações e deveriam ajudar a melhorar o quadro. Elas devem encaminhar ao proprietário do veículo comunicação individual — carta, e-mail, mensagem, SMS, Whatsapp, telefonema — do início do chamamento, acompanhada do aviso de risco, além de divulgação em veículos de comunicação de grande circulação, incluindo o site oficial das marcas.
As empresas também são obrigadas a comunicar “imediatamente”, de acordo com o Denatran, qualquer defeito no automóvel que possa colocar em risco os usuários e terceiros.
Há um app chamado “Ferramenta Consulta Recall”, que verifica se qualquer veículo tem pendência relativa a defeitos de segurança. Desenvolvida pela Tecnobank, inclui todas as revocações dos fabricantes desde 1999. Mas, como apontou o especialista Fernando Calmon, o serviço hospedado em nuvem é pago e acaba atraindo pouco.
Por fim, qualquer cidadão de posse do Renavam, do chassi do veículo ou do CPF do proprietário pode consultar se o automóvel foi alvo de recall e se este foi de fato atendido. Basta acessar a própria página do Dentran, que você encontra neste link aqui.
Veja abaixo a íntegra da comunicação da Honda:
“A comunicação sobre as campanhas de recall promovidas pela Honda Automóveis do Brasil é baseada no princípio de transparência. A empresa realiza ampla divulgação à imprensa nacional, além de veicular anúncios pagos em televisão, jornais e rádios de todos os estados do Brasil e enviar cartas aos proprietários dos automóveis envolvidos.
Para além das medidas legais, a fabricante efetua contato telefônico proativo, envio de SMS e envio de e-mail a todos os clientes de sua base de dados e ainda disponibiliza na página inicial de seu website atalhos que garantem rápido acesso ao conteúdo da convocação.
A Honda também investe em formas de comunicação que visam alcançar a totalidade dos proprietários cujos veículos estejam listados em alguma campanha. Entre as ações de destaque estão parcerias com empresas que, em comum, possuem informações atualizadas e apuradas de seus clientes como seguradoras de veículos e empresas de cobrança automática de pedágio. Nos dois casos, após um cruzamento de dados entre Honda e empresas parceiras, foi possível identificar veículos que ainda não haviam atendido ao chamado e notificá-los. Estamos satisfeitos com os resultados alcançados com essas parcerias, pois tivemos um aumento do número de agendamentos junto à rede de concessionárias.
O índice de atendimento por campanha pode variar de acordo com diferentes fatores, entre eles o ano/modelo do veículo envolvido. As referidas convocações de reparo envolvem automóveis produzidos há até 12 anos, fato que impacta diretamente no acesso ao atual proprietário. É comum que, com o passar do tempo, os carros mudem de donos, que nem sempre retornam à concessionária para realizar as revisões e eventuais reparos periódicos.”