O sistema de fluxo de capitais impulsionou o progresso humano, do abismo da idade média, chegamos a uma evolução de direitos e deveres incrivelmente rápida, com grande participação dos sistemas bancários. As instituições financeiras uniram as necessidades de investidores e tomadores tornando a bancarização imprescindivelmente necessária na sociedade atual. Sobre tal assunto recomenda-se The Ascent of Money: A Financial History of the World de Niall Ferguson.[1]
Quem necessita de um empréstimo bancário ou financia um bem, sabe que irá pagar taxas de juros e correções monetárias, mas dificilmente saberá quando tais taxas podem ser consideradas abusivas. Nos tribunais brasileiros atualmente não se tem valores fixados como referência e não há um entendimento comum na jurisprudência. Dentro do que se entende como ponderável, está o entendimento de que os juros cobrados acima da média de mercado seriam passiveis de revisão.
Sem um padrão, ficou mais subjetivo um entendimento sobre a abusividade dos juros. As decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontam por considerar abusiva a taxa de juros remuneratórios que superar a taxa média de mercado praticada na época da assinatura do contrato.[2]
Segundo súmula 596 do STF, “As disposições do decreto lei n. 22626/33 (Lei da Usura) não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”, mas há um teto para as taxas que deve ser observado, `sob pena de tornar o contrato excessivamente oneroso ao consumidor, o qual, terá direito de invocar o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de indiscutível relação de consumo, o que, fatalmente possibilitará a adequação do contrato para uma relação mais equilibrada.`[3]
Até 2003 havia um número que permeava os debates na Justiça, baseado no conteúdo do artigo 192 da Constituição Federal: instituições financeiras não poderiam cobrar mais de 12% de juros ao ano. Entretanto, essa regra não vale mais, depois da nova redação dada pela Emenda Constitucional número 40. Agora, não há limitações para o sistema bancário na cobrança de juros.[4]
Outro aspecto importante que deve ser considerado é que a redução ou o aumento de juros por parte de bancos públicos e privados não deve servir como argumento jurídico no processo, por se tratar apenas de uma questão de mercado.[5]
O consumidor pode recorrer ao judiciário se verificar que o banco está extrapolando os parâmetros do mercado financeiro, mesmo depois de terminado o contrato. E para saber se a taxa cobrada pelo banco do qual foi efetuado um empréstimo está acima da média de mercado, recomenda-se uma busca no site do Banco Central do Brasil, onde está disponível uma série histórica de diversas modalidades de concessões financeiras, caso os juros estejam muito maiores do que a média é possível pedir a revisão, comparando as taxas da data de efetivação do contrato.
Sobre `assessorias financeiras` que prometem descontos absurdamente grandes recomendo o texto da colega Fernanda Oliveira, que segue abaixo :
É bem comum andar por aí e se deparar com “anúncios” que vendem a ideia de que se pode deixar de pagar juros abusivos. Alguns arriscam afirmar uma redução no valor das parcelas de financiamentos de até 50% ou mais. E a ousadia não terminou, agora as mensagens ainda incluem que esses financiamentos serão reduzidos sem ações na justiça, tudo negociado administrativamente![6]
Então, imagino meus amigos advogados se contorcendo para entender como isso é possível e você também, meu cliente, meu vizinho, meu parente, imaginando que existe algum cambalacho, capaz de retirá-lo da dívida.[7]
O que existe mesmo é um golpe. Feio e sujo, na maioria dos casos. Que lança na lama o nome de muitos consumidores, desesperados e desorientados.[8]
Essa semana, e eu ainda estou tentando entender como são capazes de ato tão vil, recebi de uma cliente, um contrato de prestação de serviços de uma consultoria que faz esse tipo de anúncios pelas ruas e jornais de Brasília e que promete reduzir as dívidas via negociação administrativa.[9]
Em termos resumidos, o contrato exigia um determinado valor do cliente para que uma intermediação fosse realizada ante o agente financiador para que as dívidas fossem renegociadas em condições melhores. No entanto, não era só isso. O contrato também trata de demonstrar qual é o valor realmente devido pelo financiamento e sugere que a cliente deposite os valores apresentados na conta dos consultores, mês a mês, para que, quando terminasse a negociação, os valores fossem revertidos ao credor. Seria então uma espécie de poupança para o pagamento futuro da dívida.[10]
No entanto, decorridos mais de um ano do pagamento do valor cobrado pela consultoria e de depósitos mensais no valor da parcela – que deixou de ser paga ao verdadeiro credor pela referida cliente, resultando em uma ação de busca e apreensão do bem promovida pelo credor, a minha cliente caiu em si, de que havia sofrido um golpe.[11]
O contrato traz também cláusulas que irresponsabilizam essa consultoria por quaisquer ações judiciais de constrição de bens por falta de pagamento e deixa claro que o aderente poderá contratar advogado particular para tratar de eventuais ações judiciais, ou seja, é óbvio que essas ações surgirão, certo?[12]
Enfim, percebendo o golpe sofrido, a minha cliente tem dois problemas graves: quitar os débitos com o credor do financiamento e reaver a quantia depositada, por livre e espontânea vontade – na conta dos consultores. E você saberia dizer onde estão esses consultores agora? Não? Nem a minha cliente![13]
Bem, me desculpem o tom irônico, no entanto, é preciso dizer que essa consultoria não é administrada por advogados, que acabam levando a fama por golpes desse tipo.[14]
Também é preciso dizer, que quando está precisando resolver um problema muito aflitivo, qualquer pessoa fica vulnerável a situações desse tipo, portanto, não é motivo de vergonha assumir que foi enganado e buscar ajuda especializada.[15]
Além do mais, é possível sim resolver problemas de endividamento via renegociação de dívidas, de forma administrativa, embora eu não indique intermediários para essa tarefa. Acredito que o próprio devedor é capaz de obter os mesmos ou melhores resultados que um intermediário conseguiria, se tiver um pouco de persistência, pois está em busca de soluções para si.[16]
Não desejo desmerecer o trabalho de ninguém, obviamente, mas hoje, as instituições já tem limites de negociação pré-definidos e não há muito discurso capaz de modificar essas possibilidades administrativamente, ainda que advindos de uma consultoria especializada.[17]
Judicialmente é onde ocorre a maior possibilidade de revisão de cláusulas abusivas e verificação do preço, juros, taxas, cobranças indevidas, etc. No entanto, esta é uma tarefa árdua, que exige muita dedicação de um advogado especialista no assunto, pois há vários meandros e obstáculos, à primeira vista intransponíveis.[18]
Se você tem dívidas, o primeiro caminho é mental: seja pelo motivo que for, pare de se endividar ainda mais. Corte gastos, deixe de usar cartões e limites de cheque especial e utilize o dinheiro de que dispõe de forma organizada.[19]
É fácil falar e difícil de fazer, eu sei. Mas é o caminho mais seguro. Se ainda assim, você percebeu que é impossível pagar as contas com o valor que você ganha, se está difícil manter os gastos básicos com alimentação, transporte, estudos, lazer, ou outros gastos que considere essenciais, então você já sabe porque sentiu na pele, que sozinho é muito complicado lidar com o endividamento excessivo e é chegada a hora de buscar ajuda.[20]
Há dados que demonstram que (60% sessenta por cento) da população brasileira está endividada e isso sugere que temos que falar desse assunto e muito! Muitos abusos se perpetuam por simples ingerência do consumidor, que, envergonhado, deixa de denunciar abusos contra si cometidos.[21]
Nessa hora um advogado especialista poderá analisar contratos, confissões de dívida, títulos de crédito e outros documentos em geral, para dizer que caminhos podem ser tomados, sempre cuidando para não acreditar em milagres de falsos santos e no desaparecimento instantâneo das dívidas. Essa situação pode ter solução sim, com a ajuda de um advogado especializado e de confiança e, primordialmente, a partir da decisão que o consumidor toma de parar de se auto sabotar financeiramente.[22]
Referências
[1] The Ascent of Money: A Financial History of the World, traduzido para o português A Ascenção do dinheiro, é um documentário britânico de 2008 baseado no livro best seller de Niall Ferguson e apresentada pelo próprio autor, é vencedora do Prêmio Emmy Internacional de Melhor Documentário de 2009.
[2] Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/quando-os-juros-sao-abusivos-1rlatv53jszsrbmzkp7tlhiz2, Texto publicado na edição impressa de 23 de abril de 2012, por João Pedro Schonarth
[3] Disponível em: http://www.voceeseusdireitos.com.br/2010/04/financiamento-de-veiculos-juros.html, por Ronaldo Pettendorffer.
[4] Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/quando-os-juros-sao-abusivos-1rlatv53jszsrbmzkp7tlhiz2, Texto publicado na edição impressa de 23 de abril de 2012, por João Pedro Schonarth
[5] Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/quando-os-juros-sao-abusivos-1rlatv53jszsrbmzkp7tlhiz2, Texto publicado na edição impressa de 23 de abril de 2012, por João Pedro Schonarth
[6]Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[7] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[8] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[9] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[10] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[11] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[12] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[13] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[14] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[15] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[16] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[17] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[18] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[19]Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[20] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[21] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.
[22] Disponível em : http://nandisssima.jusbrasil.com.br/artigos/142665779/nao-pague-juros-abusivos, por :Fernanda Oliveira, Advogada especialista em Direito do consumidor e superendividamento.