A alta dos combustíveis já virou tema comum no noticiário, mas, ainda assim, trouxe uma novidade na última semana, com o preço do diesel agora maior do que o da gasolina. O fato teve repercussão geral nos preços no país e despertou uma dúvida: se a gasolina também tem sido reajustada, por que o diesel está ainda mais caro do que ela?
Esse cenário com o diesel mais caro do que a gasolina nunca havia sido registrado no país até então pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que faz pesquisas semanais de preços nos postos de combustíveis desde 2004.
A inversão foi identificada pela ANP entre os dias 19 e 25 de junho, quando o preço médio do litro da gasolina comum estava em R$ 7,390 no país, enquanto o do diesel S-10 chegou a R$ 7,678. Em Santa Catarina, eram R$ 7,217 e R$ 7,548, respectivamente.
Isso ocorre porque o Brasil consome mais diesel do que gasolina e está cada vez mais dependente de importações no primeiro caso. A conta fica mais pesada então quando o combustível fica mais caro no mercado internacional, como acontece agora.
A ANP afirma que, só neste ano, 27,79% do diesel vendido no país teve origem estrangeira. No caso da gasolina, a dependência externa está em 7,40%. Em ambos os casos, os percentuais se referem aos combustíveis ainda puros, do tipo A. Antes de chegarem às bombas, eles têm adição de biodiesel e etanol, respectivamente.
A situação ainda é agravada pelo câmbio desfavorável, já que a conta das importações chega em dólar, mas é paga em real — US$ 1 equivale hoje a R$ 5,23.
Mesmo a Petrobras, que produz petróleo, precisa importar a commoditie e seus derivados para operar. A estatal ainda adota, desde 2016, uma política de preços de paridade de importação (PPI), que atrela valores daqui ao mercado externo.
Por concentrar a distribuição dos combustíveis no país, suas decisões sobre os preços têm repercussão geral no mercado brasileiro. Foi justamente após um reajuste da estatal no último dia 17 que o diesel ultrapassou a gasolina no Brasil.
“É esse equilíbrio com o mercado global que naturalmente resulta na continuidade do suprimento do mercado brasileiro, sem riscos de desabastecimento, pelos diversos atores: importadores, distribuidores e outros produtores, além da própria Petrobras”, escreveu a estatal ao Diário Catarinense, ao justificar a alta recente.
A empresa diz ainda que os valores mais caros no exterior se devem a dois fatores principais: uma maior demanda aliada a uma menor oferta.
Essa maior demanda por diesel se deve à retomada das atividades econômicas conforme recuam as medidas restritivas contra a Covid-19 e se estende ao mundo todo.
No Brasil, a economia é especialmente dependente do combustível, já que o modal rodoviário, movido a diesel, é responsável por cerca de 64,7% do transporte de cargas no país, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Só nos quatro primeiros meses deste ano, o volume de diesel vendido no país chegou a 20 milhões de m³, maior número para o período em 22 anos, desde que a ANP iniciou sua série histórica sobre o tema. No caso da gasolina, isso ficou em 13,1 milhões de m³.
Já a menor oferta se deve à guerra na Ucrânia. A outra parte envolvida no conflito, a Rússia, é nada menos do que o maior exportador mundial de petróleo e derivados.
Para tentar pressioná-la a encerrar a guerra, países ocidentais liderados pelos Estados Unidos impuseram sanções aos combustíveis russos. Mesmo que sequer tenha determinado restrições à Rússia, o Brasil também sofre, já que agora concorre como consumidor no mercado com quem costumava importar do país de Vladimir Putin.
— O Brasil não é um consumidor ávido do petróleo russo, ele importa mais dos Estados Unidos. Não sofremos com a sanção direta, porque ela não existe, mas o petróleo de quem já comprávamos ficou mais caro — explica Danielle Ayres, professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Diretora de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Valéria Lima acrescenta ainda que países europeus que compravam gás natural russo, usado para alimentar usinas termelétricas, que produzem energia para a vida cotidiana no continente, agora buscam o diesel para esse mesmo fim.
— Houve um aumento do prêmio que o diesel paga em relação ao barril de petróleo Brent. Essa diferença é chamada de spread. Isso estava em torno de US$ 70 em dezembro do ano passado. Era como se o barril de petróleo fosse vendido a US$ 100 e o de diesel a US$ 170. Hoje está em US$ 60 esse spread. No caso da gasolina, não houve variação significativa — diz Lima, ao explicar o boom do combustível.
Ambas as especialistas afirmam que, por ora, não há indicação de que essa situação vá mudar, ao menos não enquanto houver guerra na Ucrânia.
No Brasil, governantes tentam lidar com a alta até aqui mexendo nos outros itens que compõem o valor final dos combustíveis nas bombas, caso dos impostos estaduais (ICMS) e federais (Cide, PIS/Pasep e Cofins).
O diesel está hoje com tributos federais zerados até o fim do ano, medida que o governo Jair Bolsonaro (PL) tenta aplicar também sobre a gasolina.
O presidente também já determinou uma medida que limita o ICMS, cobrado pelos Estados, sobre a gasolina e o diesel. Em Santa Catarina, a gestão Carlos Moisés (Republicanos) já comunicou que reduzirá a alíquota no primeiro caso de 25% para 17%. A do diesel já estava abaixo do limite, em 12%.
Com informações NSC Total