Enquanto o governador testa os respiradores que chegaram da China, vamos fazer graça com a situação (a história é ficção e a foto é ilustrativa)
Domingo, depois que terminou a fatídica reunião com Douglas Borba, visivelmente abatido, o governador Carlos Moisés foi sentar-se no jardim da Casa da Agronômica.
Não levou nem o violão. Mesmo sendo Dia das Mães, o clima não era para cantorias.
Uma copeira, antiga na casa, entregou-lhe um copo de água.
– Governador, com todo o respeito, por que o senhor não vai num centro que tem lá no morro da Bina, em Biguaçu? Muitos políticos vão lá.
– Obrigado minha querida, mas Biguaçu já está me trazendo problemas demais.
– Olha governador, ouvi dizer que o pai de santo incorpora o doutor Luiz para aconselhar os políticos que aparecem por lá.
– Quem é doutor Luiz?
Indagou o governador, já quase perdendo a pouca paciência que lhe restava depois dos últimos acontecimentos.
– Doutor Luiz Henrique, o governador, ex-morador desta casa. Hoje tem sessão e, não sei o senhor sabe, exatamente hoje faz cinco anos que ele morreu. Vai que ele decide aparecer por lá.
Moisés ficou com aquilo na cabeça e no meio da tarde chamou a copeira e pediu o endereço do centro.
À noite, saiu sorrateiramente driblando a segurança, pegou um Uber e foi para Biguaçu.
Como pouquíssima gente o conhece, não precisou de disfarce.
– O senhor mora por aqui, vizinho do governador? Tão dizendo que está meio enrolado com a compra de uns respiradores…
Perguntou o Uber, assim que iniciou o trajeto.
– Não, não estou sabendo de nada. Eu moro em Biguaçu, só estava dando umas voltas para esses lados.
Respondeu Moisés, que continuou a viagem calado.
No centro, uma casa simples, chamou o pai de santo de lado e perguntou:
– É possível uma consulta particular? Quero que o senhor incorpore o ex-governador Luiz Henrique.
O pai de santo, um negro todo vestido de branco e com um turbante sobre a cabeça, falou num sotaque de quem vem do norte:
– Não sei se vai rolar. Na semana passada o Raimundo Colombo esteve aqui e ele não quis aparecer. Posso tentar. Mas já sabe, para trazer o Luiz Henrique o preço é meio salgado.
– Não se preocupe com o preço. Pago o que for preciso.
Retrucou Moisés, metendo a mão no bolso e entregando um polpudo adiantamento em notas de cem.
Menos de um minuto depois o pai de santo recebeu o doutor Luiz.
Estava puto, lembrava um daqueles momentos em que decidia dar bronca no Zé Gayoso e no Ari Vequi.
– Pede logo o que você quer saber. Hoje está um dia extremamente chato. Um monte de gente tentando fazer média no Facebook com o aniversário da minha morte. Se aniversário de morte é coisa para se comemorar.
Moisés se afundou ainda mais na cadeira e tentou se recuperar do impacto ao reconhecer a voz do ex-governador, falando pelo pai de santo.
– Não sei se o senhor está acompanhando a confusão que meu Governo está metido.
Disse com uma voz trêmula de quem não está acostumado a diálogos com seres de outro mundo.
-O Walmor de Lucca me falou qualquer coisa. Depois que ele chegou fico sabendo de tudo o que acontece em Santa Catarina. Sabe como é, ele está sempre de olho , preocupado com a Ada.
– Então governador, preciso de dois conselhos urgentes: como eu faço para lidar com a imprensa e com os deputados. Essa turma está querendo me derrubar?
– O que você fez até agora para essa turma?
Moisés recuperou o fôlego e começou a falar, com sua voz mansa:
– Para falar com os deputados eu escalei a deputada Paulinha. Ela é muito fiel ao Governo e ainda é bonita e simpática. Sobre a imprensa, eu pedi para que os empresários parem de anunciar se eles continuarem falando mal de mim.
O pai de santo se colocou em pé. Parecia que Luiz Henrique estava irritado.
– Deixei pela metade uma conversa sobre a Constituição de 1946 com Ulysses, Brossard e Konder Reis para descer ouvir um papo desses, rapaz?!
O pai de santo deu uma baforada num charuto.
– Preste atenção – disse Luiz Henrique, quase gritando.
Em seguida, baixou um pouco a voz e continuou:
– Deputado não quer beleza e nem simpatia, quer espaços no Governo e convênio para prefeito aliado. Com a imprensa, seu tolo, quem te disse que se resolve a questão tirando o dinheiro? Eu, mesmo enchendo eles de dinheiro, muitas vezes levei cacete sem dó nem piedade.
-Mas, mas…
Enquanto Moisés balbuciava, Luiz Henrique concluiu:
– A solução para os deputados está na Assembleia e para a imprensa, óbvio, está na imprensa. E me deixe voltar, porque no domingo lá sempre rola um uísque do bom. E se eu não estiver por perto, após a segunda dose, o Kleinubing e o Pedro Ivo começam a discutir a eleição de 1986. E ainda tem o Konder Reis, que não sei se tu sabe, não pode beber.
Moisés parecia que estava acordando de um pesadelo. Ainda teve tempo para fazer mais uma pergunta:
– Como eu faço isso na prática? O senhor sabe, sou um bombeiro, não sou um político. Preciso tudo explicadinho.
O pai de santo sentou e chamou Moisés para perto. Deu-lhe uma baforada do charuto na cara e deixou Luiz Henrique falar, agora com uma voz mais mansa.
– Descentralização. Sabe o que é isso? Divida o poder e não apenas como os amigos, como você fez entregando tudo para esse menino de Biguaçu. Às vezes é preciso trazer os adversários. Lembra o que fiz com o PFL? E agora me deixa ir.
Moisés suspirou fundo. A fumaça do charuto o deixou meio tonto, mas ele ainda perguntou o que poderia fazer para agradecer pelos conselhos.
– Manda pelo menos dois Juarez Machado lá da Agronômica pra cá. Tenho horror de descer aqui com essas paredes nuas. E antes que eu me esqueça: pergunta pro teu cara da comunicação se ele sabe o que é plano de mídia.
– Quem é Juarez Machado e o que é plano de mídia?
Quando Moisés terminou a frase o pai de santo já havia desincorporado.
Por Frutuoso Oliveira