A invasão de javalis está causando prejuízos para agricultores e ameaça também a suinocultura em Santa Catarina. Estima-se que existam cerca de 200 mil javalis no estado. O cenário no interior catarinense é o exemplo mais drástico do estrago causado pelo animal que já está presente em pelo menos 563 municípios brasileiros.
Atualmente, o javali é o único animal cuja caça é permitida no país. Em 25 de março, uma nova portaria do Ibama regulamentou o uso de cães para o manejo da espécie e informatizou o sistema de autorizações para caçadores. As medidas são vistas com bons olhos por produtores rurais e pesquisadores, que reclamavam da burocracia do sistema antigo.
Nesta semana, o Desafio Natureza do G1 publica uma série de reportagens sobre impactos ambientais, sociais e econômicos de espécies exóticas invasoras a partir da história do javali, do sagui-de-tufos-pretos, do mexilhão-dourado e do pinheiro.
Javali no top 100
O javali é uma das 100 espécies invasoras mais perigosas para a biodiversidade segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Desde 2013 a caça e controle do animal é legalizada em todo o território nacional pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Antes disso, o controle já acontecia, de forma experimental, desde 1995 no Rio Grande do Sul.
As estratégias para controlar a espécie também podem afetar populações de animais nativos, como a queixada e o cateto, que são confundidos com javalis pelos caçadores (veja diferenças e semelhanças no infográfico abaixo).
Reservatório de doenças que podem acometer os porcos domésticos, os javalis também são uma ameaça ao status sanitário do estado que concentra 26% da produção nacional de suínos. Para enfrentar essa bioinvasão, já existem 3.868 caçadores aptos a abater o animal em Santa Catarina. O número, no entanto, é considerado insuficiente para conter a rápida reprodução e o potencial de dispersão da espécie.
Dois motivos
O transtorno causado pelos javalis no estado é ainda mais grave que no resto do país. Isto ocorre por dois motivos. O primeiro é o tipo de propriedade que predomina em Santa Catarina. Pequenas lavouras de milho são muito comuns e, com frequência, um bando de javalis pode destruir toda a propriedade em poucos dias.
A segunda condição para a situação crítica em Santa Catarina é a produção de suínos no estado. Trata-se do líder em suinocultura no país, com mais de 1/4 da produção nacional, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Como o javali e o porco doméstico são da mesma espécie, uma eventual epidemia nos javalis que vivem soltos poderia acometer os suínos de criação, representando um risco à saúde do rebanho.
A estimativa é de que existam de 1 a 2 javalis por quilômetro quadrado e uma população total de cerca de 200 mil animais em Santa Catarina. São 49 municípios contaminados no estado. Capão Alto, próximo da divisa com o Rio Grande do Sul, é um deles. A cidade de 2.500 habitantes é uma das que teve seu sossego abalado pelo javali.
A prefeitura calcula que de 30% a 40% da produção de milho deste ano esteja comprometida. “Dentro do município de Capão Alto é difícil de você achar uma lavoura de milho que não tenha a passagem do javali”, afirma Cláudio Antunes, secretário de agricultura do município.
A cultura de milho costuma ser a mais atingida pelo suíno. Além de comer o grão quando a espiga está formada, o animal também se alimenta do adubo e das sementes, logo no início do cultivo, e derruba dezenas de pés de milho por onde passa.
A bioinvasão está mudando até a paisagem da área. Preocupados com os ataques, produtores de Capão Alto estão substituindo a cultura de milho, tradicional por ali, pela de soja, que é menos visada pelos suínos. A praga impossibilita ainda que os agricultores pratiquem a rotação de cultura e substituam a soja por milho para recuperar o terreno quando necessário.
“Não podemos fazer rotação de cultura, não podemos plantar uma lavoura grande de milho porque o bicho chega de noite, de madrugada, numa hora que você não vê ele comendo o milho”, conta Marcos Gregio, proprietário da Fazenda Santa Cruz, em Capão Alto. “Tu só vês no dia seguinte o que ele fez na lavoura.”
Adeus, milho
Em Capão Alto, a produção de milho está em declínio por conta do javali. O secretário de agricultura do município diz que o grão já representou 60% da produção da cidade. Hoje, o milho corresponde a apenas 25% do total da área plantada na cidade, segundo dados da secretaria. A principal cultura no local é a soja, com 6.000 hectares, ou 65% do total de plantações. De acordo com os produtores, a substituição do milho pela soja ocorre principalmente por conta dos ataques do javali.
Os ataques causam prejuízo maior aos pequenos produtores, com propriedades de até 50 hectares. Para eles, um único ataque de um bando de javalis pode representar a perda de toda a produção do ano, especialmente nas plantações que ficam em regiões próximas às florestas de araucária, segundo o Plano Javali, do Ibama.
Com informações G1 SC