Notícia Hoje

Tornados, deslizamentos e enchentes: eventos extremos acendem alerta social em SC

O tornado que atingiu o Meio-Oeste catarinense na última sexta-feira (28) e deixou municípios sem energia elétrica é mais um registro de evento extremo que provocou grandes estragos em Santa Catarina. Casos de enchentes, deslizamentos, ciclones e até neve são cada vez mais comuns na região.

A sequência de fenômenos provoca medo, insegurança e aquela sensação de “fim do mundo” em muitas pessoas. Mas, de acordo com Lindberg Nascimento Júnior, especialista em episódios climáticos extremos em solo urbano, essa é uma oportunidade de reflexão enquanto sociedade.

Publicidade

O professor de geociências da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) ressalta que a ocorrência de eventos extremos no Estado faz parte de um processo natural, devido a localização geográfica de Santa Catarina.

“Faz parte da dinâmica. Tornados, ventos extremos, ciclones extratropicais, a gente pode dizer que é natural. Porque a gente está localizado bem na rota de onde esses eventos são produzidos, estamos próximos do oceano, tem um fluxo que vem da Amazônia, existe todo um contexto”, avalia Lindberg Júnior.

O especialista em dinâmica climática detalha o que faz com que a região esteja suscetível aos desastres.

“Uma parte desse mecanismo é associado a um sistema atmosférico que chamamos de jatos em baixos níveis. Eles ganham força a partir do gradiente térmico que existe entre o Equador e o Polo. Assim, nesse fluxo que vem para o Sul sobre a Amazônia, ele vem ganhando força até chegar na nossa região, quando não com tornados, gera fortes tempestades. O combustível fundamental para esse processo já está condicionado.”

Por que eventos extremos são cada vez mais frequentes?

Apesar de esperados, os eventos extremos têm se tornado cada vez mais comuns no nosso Estado, como avaliou Marina Hirota, professora da UFSC focada em meteorologia e climatologia.

“O que está acontecendo são forçantes, diferentes formas de você perturbar um sistema que demorou milhões e milhões de anos para entrar nesse equilíbrio. Então imagine uma perturbação extra, que não fazia parte do sistema e agora está fazendo, que somos nós, em uma grande quantidade no planeta. Isso causa uma perturbação que, depois que acontece, demora um tempo para estabilizar de novo”, explica Hirota.

Segundo ela, os eventos são cada vez mais aparentes por conta dos maiores danos que causam. “Vamos conseguir vê-los mais, até porque mais gente vive em lugares que eles são mais frequentes. Quando tem perda na população, danos socioeconômicos, esses eventos ficam mais evidentes”.

No mesmo caminho, Lindberg Nascimento Júnior ressalta que os desastres provocam uma sensação de medo e insegurança na população.

“Agora, se esses fenômenos vêm se tornando frequentes, isso também está associado a uma dinâmica natural, o Oceano Atlântico Sul, por exemplo, tem se tornado mais quente, o que favorece a alimentação desses processos. De outro modo, é preciso verificar que o debate de eventos extremos gera uma insegurança, até no âmbito social, quanto político e financeiro”, diz.

No entanto, na visão do especialista, o problema vai além da questão climática.

“Prever esses eventos faz parte de uma questão de proteção civil. Por isso é melhor classificar esses grandes eventos como perigosos. Contudo, na minha perspectiva, esses eventos vão ser entendidos dependendo da relação que a gente vai ter com eles.”

Sociedade fragilizada

“A questão, agora, não é apenas se essas ocorrências têm se tornado frequentes e se nossa forma de viver tem degradado o ambiente. Mas é principalmente que, enquanto sociedade, a gente tem ficado cada vez mais vulnerável ou frágil a cada evento que acontece”, acrescenta Lindberg.

O especialista destaca que por mais que os conhecimentos técnicos dos fenômenos climáticos tenham avançado, ainda não se sabe exatamente como proteger as pessoas.

“Ao invés de conhecer e melhorar enquanto sociedade, temos piorado. A gente tem exposto muito mais vulnerabilidades do que resoluções. E esse é o debate na gestão de desastres naturais, os eventos têm sido cada vez mais estudados do ponto de vista físico, mas não têm sido implementados em planos diretores de gestão pública. Existe um descompasso em entender que esses eventos fazem parte da nossa dinâmica.”

Sem garantir um meio de proteção para todas as classes sociais, a fragilidade seguirá exposta a cada novo evento extremo. E como destaca o professor, não é apenas a população mais pobre que tem sido atingida.

“Esse último tornado deixou municípios inteiros sem energia. Ano passado aconteceu a mesma coisa, no ciclone bomba. Não aprendemos a segurar.”

Como se desenvolver através de desastres

Lindberg Nascimento acredita que “a questão é mais social e menos ambiental”. Segundo ele, as políticas públicas carecem de mudanças para desenvolver meios de proteção mais eficientes e inclusivos.

“Se não temos a cultura de se antecipar a um evento, de criar um mecanismo, toda vez que acontece é uma grande tragédia. E aí parece que tira nossa responsabilidade de desenvolver medidas que protejam nossas infraestruturas”.

O especialista ressalta, no entanto, que a sociedade atual não consegue lidar bem com esses fenômenos e convive com o medo de desastres e danos graves.

“O problema é que esses eventos vão gerar perigo para as pessoas. A gente precisa de estabilidade, mas a natureza não é estável. Em uma sociedade como a nossa, urbana, capitalista, sedentária sobretudo, conviver com esses eventos extremos é um desafio constante. Eles sempre vão gerar algum perigo”.

Essa condição traz o principal ponto levantado pelo professor. “A questão é a nossa sociedade atualmente. Como podemos aproveitar isso como forma de desenvolvimento? A gente não pode ver como ‘fim do mundo’, temos que observar esses eventos como possibilidade de se renovar, de transformação social, de manutenção civil que seja equitativa – de classe, renda, gênero, de raça, idade, origem.”

Lindberg Júnior constata que os perigos dos eventos extremos são relativos e podem ser até positivos em alguns pontos.

“Eventos de seca e de estiagem são muito prejudiciais à agricultura, contudo, é um momento propício, por exemplo, para construções, como prédios, rodovias, etc. Já os eventos de chuva, que ajuda os agricultores, pode causar sérios danos no ambiente urbano, com desastres como os que a gente tem visto. Então, o risco é uma questão altamente relativa. Dentro de uma sociedade desigual, esses impactos também são produzidos desigualmente.”

“Aí a necessidade de ver os eventos extremos não só a partir do gênese natural, mas a partir dos impactos, que podem ser negativos ou positivos”, continua o professor.

Vale lembrar que as mudanças climáticas, provocadas por comportamentos humanos nocivos ao meio ambiente também reforçam os desequilíbrios climáticos que provocam os desastres nas cidades.

Aliado a isso, Lindberg Júnior propõe uma reflexão para uma transformação de grandes proporções.

“Tudo isso deve ser colocado dentro do debate para a gente avaliar que tipo de sociedade a gente quer, porque na história, a gente aproveitou todos esses eventos extremos para se desenvolver mais. Os vikings e os egípcios conseguiram usá-los em benefício próprio. Não devemos ver esses casos como uma excepcionalidade, aos quais não controlamos. A gente simplesmente espera em Deus, e isso é uma concepção muito perigosa”, conclui.

Com informações ND Mais 

Sair da versão mobile