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Rancho Queimado: dados oficiais desmentem tratamento precoce e número de mortos por Covid

O município de Rancho Queimado, na Grande Florianópolis, ganhou repercussão nas redes sociais por conta do uso de tratamento precoce no combate à Covid-19. Relatos da prefeita Cleci Veronezi (MDB) dão conta que a utilização de medicamentos sem comprovação de eficácia contra a doença, como a ivermectina e hidroxicloroquina, tiveram sucesso na redução de casos e mortes. Segundo os dados disponíveis no governo Estado, entretanto, a realidade é outra. Rancho Queimado tem três mortes desde março de 2020, com a taxa de letalidade de 1,06%, conforme dados oficiais, maior do que cidades como Florianópolis, Blumenau e Jaraguá do Sul.

Com a ajuda do colega Cristian Weiss, jornalista especializado em dados, pesquisador da Deutsche Welle e responsável pelos números do coronavírus no portal NSC Total, analisei a evolução da doença no município. A diferença dos dados divulgados pela prefeita em suas manifestações começa já na população de Rancho Queimado. Em live recente com a vereadora Mayanne Mattos (PL), de Florianópolis, ela afirma que a cidade tem 5 mil habitantes. Segundo estimativa do IBGE de 2020, são 2.887 pessoas.

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Em entrevista à coluna, nesta quinta-feira (11), Cleci, entretanto, alega que o número é maior por conta das pessoas que foram morar na cidade durante a pandemia pelo home office e pelos condomínios rurais.
Segundo ela, o tratamento precoce começou efetivamente em julho. No site da prefeitura, entretanto, há um comunicado de 5 de agosto com a informação de que o posto já estava atendendo. A prefeita afirma ainda que foram duas mortes por Covid-19 na cidade, sendo uma delas antes do início do projeto. Pelos números do Estado, contudo, são três. Esse dado coloca a cidade com uma taxa de letalidade de 1,1% no começo de março, e 1,06% nesta quinta-feira. A terceira morte é contestada pela prefeita, que aponta o caso como de um ex-morador da cidade. A contestação teria sido oficializada junto ao Estado, de acordo com ela. Os dados do governo catarinense dizem que as mortes da cidade pela doença foram em julho, agosto e setembro.

Quando se tratam de casos da Covid-19, Rancho Queimado tem 284 confirmados até esta quarta-feira (11). Isso representa o que seriam 9937 casos para cada 100 mil habitantes, de acordo com o portal do governo do Estado. O índice é maior do que cidades de maior porte como Jaraguá do Sul e Navegantes, por exemplo. Municípios vizinhos de Rancho Queimado, como Anitápolis e Angelina não registraram mortes pela Covid-19 até o momento. Ambas, de acordo com o IBGE, têm população maior que a cidade vizinha.

Recentemente, sites do Centro do país publicaram checagens sobre um vídeo que teria circulado afirmando que a cidade catarinense não registrou mortes pela Covid-19 por conta do tratamento precoce. Como mostram os dados oficiais, mais uma vez, isso não se confirma. O site Boatos.org publicou que “se compararmos o número de casos do município aos das cidades limítrofes (Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Leoberto Leal e São Pedro de Alcântara) é possível constatar que Rancho Queimado é a que tem maior número de casos e óbitos de Covid-19, considerando a média da população.

A fonte usada foi o sistema SUS Analítico do Ministério da Saúde e a comparação poder vista na imagem disponível no portal.

Centro de Covid-19

A prefeita relata que o centro de Covid-19 serve para “atendimentos iniciais”: “Se a pessoa chega com queixas, faz o teste. Deu positivo, ela passa pela avaliação dos técnicos e médicos. Se quiser aderir, sai com o tratamento precoce. Outros chegam e testam negativo e estão com sintomas. Também passam pela avaliação”.

Há casos ainda, segundo ela, de pessoas que não têm sintomas e levam medicamentos como a ivermectina. Fazem parte do “kit” de Rancho Queimado, além da ivermectina, a azitromicina, hidroxocloroquina e suplementos vitamínicos. Numa segunda fase, de evolução da doença, também são recomendados anticoagulantes e antitrombóticos.

Cleci defende a aplicação da ivermectina ao afirmar que há profissionais que recomendam o uso, mesmo com as conclusões de médicos que não apontam a eficácia do remédio contra a Covid-19: “Estamos cuidando da nossa população. Isso que interessa para nós”, afirma. Para ela, a pessoa deve ter liberdade de escolha, além de que as medidas de distanciamento e uso de álcool em gel devem ser seguidas.

Tratamento precoce

Em janeiro, médicos de SC que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 relataram complicações causadas pelos remédios incluídos nos kits de tratamento precoce. Os problemas incluíram agravamento de quadros cardíacos, pancreatites e piora na evolução da Covid-19 por imunossupressão. A crença dos pacientes na eficácia do protocolo também reduziu o acompanhamento, o que, na avaliação dos médicos, favorece o surgimento de quadros mais graves da doença.

O portal Aos Fatos, que faz checagens sobre informações que circulam em redes sociais, analisou o cenário de Rancho Queimado e também contestou as informações divulgadas pela prefeitura. Ao mesmo tempo, averiguou que “é enganoso afirmar que uma combinação de seis medicamentos seja eficaz na cura da Covid-19, como fazem postagens que circulam nas redes sociais”. A verificação ocorreu para um coquetel de hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco.

O site cita a OMS (Organização Mundial da Saúde), que publicou em 1º de março uma metanálise, revisão de seis estudos clínicos que contaram com 6059 participantes, que concluíram que a hidroxicloroquina teve um efeito muito pequeno ou nenhum efeito na prevenção, internação hospitalar e mortalidade por Covid-19. Segundo a entidade, a hidroxicloroquina não deve continuar como uma prioridade de pesquisa e os recursos devem ser direcionados para avaliar outras substâncias mais promissoras.

Fabricante contesta eficácia da Ivermectina contra Covid-19

A farmacêutica estadunidense Merck Sharp&Dohme (MSD), responsável pela fabricação da ivermectina, publicou um comunicado em 4 de fevereiro afirmando que os dados disponíveis não apontam a eficácia do medicamento contra a Covid-19. “Não acreditamos que os dados disponíveis sustentem a segurança e a eficácia da ivermectina além das doses e dos grupos indicados nas informações de prescrição aprovadas por agências regulatórias”, diz o comunicado.

A Merck Sharp&Dohme também destacou no comunicado que a ivermectina segue sendo recomendada contra a estrongiloidíase e a oncocercose — as duas doenças são provocadas por parasitas. Segundo a farmacêutica, os cientistas “continuam a examinar cuidadosamente as descobertas de todos os estudos disponíveis”.

No mesmo sentido, a Apsen, fabricante da hidroxicloroquina, respondeu à Repórter Brasil, que seu trabalho é pautado pela ciência: “Atualmente, com base nas últimas evidências científicas, a Apsen recomenda a utilização da hidroxicloroquina apenas nas indicações previstas em bulas, as quais são aprovadas pela Anvisa”, afirmou.

Com informações NSC Total 

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