“No meio da noite, ele começou a lamber a minha orelha. Achei isso muito estranho, mas de qualquer forma pensei que fosse algum tipo de carinho. E logo depois eu tirei a orelha porque era chato, eu não gostava. Daí passou uns dez minutos e ele começou a me alisar, a me abraçar. Daí ele passou a mão na minha barriga. Ele tentou mexer no meu pênis, daí eu tirei a mão dele. Tentou de novo e tirei. Na terceira vez, ele fez força e eu não consegui tirar a mão dele”.
O relato acima é de um menino de 13 anos, morador de São Francisco do Sul, sobre o fim de semana em que ele e outros quatro garotos da cidade passaram na casa onde vivia o padre Marcos Roberto Ferreira, em Joinville. O religioso foi preso na sexta-feira, 9, por estupro de vulnerável. A defesa dele pediu a revogação da prisão e afirma que discutirá o mérito em juízo, “em eventual ação penal”.
Como mostrou uma reportagem especial sobre o caso exibida no Jornal do Almoço deste sábado, 17, a notícia da prisão do padre chocou as duas cidades. Moradores do bairro Sandra Regina, interior de São Francisco do Sul, contaram que era como se o padre fizesse parte de suas famílias.
‘Nós o amávamos de todo o coração’
“Ele vinha a nossa casa, tomava café, almoçava, jantava, vinha passear aos domingos. Nós tínhamos ele como uma pessoa da família, mesmo. E nós o amávamos de todo o coração”, conta a mãe de um dos meninos que relataram abusos.
O padre foi ordenado em 2011 e, logo em seguida, enviado a Mafra, também no Norte do estado, onde trabalhou por um ano. Em São Francisco do Sul, o padre esteve à frente da Paróquia Santa Paulina por quase cinco anos.
Logo passou a ser considerado um exemplo e ganhou a confiança da comunidade por ter melhorado a estrutura da igreja – construiu calçadas e muros, instalou ar-condicionado. Ele também é lembrado por reunir a vizinhança em celebrações.
A vice-presidente da associação de moradores conta que o padre vivia cercado de crianças principalmente meninos. “Ele saía muito com as crianças. A gente convidava para almoçar na casa das minhas colegas, ele levava a piazada. Sempre contente, sempre alegre”, lembra Esperança Saidock.
Convites para viajar
A mãe de um adolescente que teria sido vítima do padre conta que eram freqüentes os convites do religioso para que os meninos fossem passear com ele. “Teve uma vez que ele convidou o nosso filho para passar uma semana com ele em São João do Itaperiú. E nossa, jamais eu vou deixar o meu filho viajar com alguém para outra cidade e ficar uma semana, né! E ele insistiu nisso umas três, quatro vezes”, afirma.
Em abril, ele foi transferido para esta igreja, no distrito de Pirabeiraba, em Joinville. Mesmo assim mantinha contato com os moradores de São Francisco do Sul. Cinco meninos foram convidados a passar um fim de semana na casa paroquial.
Adolescentes relatam abuso de Padre preso no Norte de SC
À RBS TV, o menino de 13 anos contou que o clima nos primeiros dias era de diversão (veja vídeo acima). “O padre começou a apresentar a casa dele para nós e ele foi mostrar os quartos que a gente ia dormir e depois tomamos café e comemos. Saímos da mesa de janta e fomos assistir a um filme”, disse o garoto.
Segundo o adolescente, o padre dormiu num quarto separado dos meninos. No domingo, três amigos voltaram para casa. Mas ele e outro garoto ficaram para mais uma noite – segundo ele, por insistência do padre – que teria convidado os dois para dormirem no mesmo quarto.
“A cama era bem grande, daí ele [padre] dormiu no meio. O meu amigo no lado direito e eu do lado esquerdo”, contou. Enquanto o amigo dormia, o adolescente contou que foi abusado pelo padre.
“Eu estava fazendo força para tirar a mão dele. Depois eu me virei com o corpo para o lado para… para… para ele parar de mexer no meu pênis. Daí depois disso… eu falei que precisava ir no banheiro e, sem ele ver, eu fui com o meu celular”, contou o garoto. Por mensagem, ele pediu ajuda ao pai, que foi imediatamente até a casa.
Nos dias seguintes ao episódio, outras famílias começaram a desconfiar de que seus filhos eram abusados. A mãe de outro menino diz que o filho contou que os atos eram feitos em tom de brincadeira. “Ele contou que tinha umas brincadeiras que ele achava estranhas que ele não gostava e não se sentia confortável que era do padre querer ficar pegando no pênis, mas era como se fosse uma brincadeira. Perguntando o tamanho do pênis, de quem tinha o pênis maior”, diz a mulher.
Investigação
O caso é investigado pela Polícia Civil de São Francisco do Sul. Cinco meninos já prestaram depoimento. “A única coisa que ainda não há provas de que havia acontecido é a conjunção carnal, os demais atos libidinosos que antigamente eram tratados como atentado violento ao pudor, mas que hoje também são tratados todos como estupro, são esses o atos praticados pelo padre”, diz o delegado Marcel Araújo de Oliveira.
Ele acredita que, considerando a quantidade de crianças com quem o padre tinha contato, o número de casos de abusos pode ser maior. “Não é difícil, para nós, acreditar que possa haver novas vítimas que ainda não foram ouvidas aqui na delegacia. É muito importante que, se existir uma criança ou uma família que tenham passado essa situação junto a esse indivíduo, o Marcos, que procure a polícia de São Francisco do Sul para que possa trazer a justiça na sua plenitude”.
O padre continua preso temporariamente. A Diocese de Joinville decretou a suspensão das atividades dele e abriu um processo de investigação interna para apurar o caso. Se as denúncias se confirmarem, o religioso deixará a Igreja, informou a diocese.
O que diz a defesa
Em nota, o advogado do padre, Karlo Murillo Honotório, afirmou que já pediu a revogação da prisão temporária. O defensor reitera que não há processo contra padre, e sim um inquérito policial.
“Não houve irregularidades legais quanto à prisão. O que existe são fortes fundamentos para que o Pe. Marcos seja colocado imediatamente em liberdade, não havendo motivos plausíveis para a manutenção da sua segregação. Sobre o mérito, reservamo-nos a apenas discutí-lo em juízo, em eventual ação penal”, afirmou o advogado.
“Podemos afirmar que o Pe. Marcos sempre desenvolveu um trabalho com muito zelo perante todas as comunidades que passou. Quem o conhece de verdade sabe disso, sendo que o Pe. Marcos é um excelente padre e uma excelente pessoa”, acrescentou.
Recomeço
O menino de 13 anos que denunciou o abuso diz que não pretende se afastar das atividades religiosas. “Eu fico imaginando o quanto ele já não fez com outras crianças. Eu quero continuar frequentando a igreja como se nada tivesse acontecido. Encarar isso e bola para frente”, disse o menino.
“Quem tem filho sabe o que estou falando. A dor que a gente está passando e tudo o que a gente sentiu”, contou o pai.
Com informações do G1/SC